Governo Lula esconde há um ano documentos de transparência.
Documentos são sobre obras, repasses e emendas.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) impede há um ano o acesso público a documentos de transparência sobre obras públicas, repasses de dinheiro a estados, municípios e organizações não governamentais (ONGs) e emendas parlamentares, ocultando a divulgação de informações exigidas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), responsável pela plataforma Transferegov, usada na gestão e na transparência dos recursos federais, afirma que muitos documentos contêm informações sensíveis, como dados pessoais de servidores públicos, e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) impede a divulgação desses dados.
Ao adotar a prática, o governo acabou impedindo o acesso à íntegra de 16 milhões de documentos que explicam o uso do dinheiro público no país inteiro, segundo informação do MGI, em vez de dar transparência às informações e ocultar apenas os dados sensíveis, como manda a prática adotada desde a implantação da Lei de Acesso à Informação, em 2011.
A medida tem impacto sobre a transparência das emendas parlamentares. O TCU e o STF obrigaram a União a dar publicidade aos repasses e as prefeituras que recebem esses recursos a apresentarem planos de trabalho, falando o que farão com o dinheiro recebido, e relatórios prestando contas após o recurso ser gasto.
No caso das emendas Pix, por exemplo, nem todas as prefeituras cumpriram a decisão. As que cumpriram apresentaram documentos como licitações, contratos, comprovantes de pagamento e relatórios de obras na plataforma, mas os arquivos estão inacessíveis para o público. É possível saber que parlamentar indicou a emenda e para onde foi o dinheiro, mas não em que a verba foi gasta.
No ano passado, o governo Lula mandou R$ 11,7 milhões de uma emenda Pix indicada pelo deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP) para município de Cotia (SP). A prefeitura diz ter gastado R$ 9 milhões do recurso com infraestrutura urbana e apresentou documentos para comprovar o uso do dinheiro, como edital das obras, contratos com os fornecedores e comprovantes de pagamentos. Mas nenhum desses arquivos está disponível.
MINISTÉRIO DA GESTÃO PROMETEU SOLUÇÃO
No dia 21 de maio de 2024, o Ministério da Gestão afirmou ao Estadão que iria implementar a Declaração de Observância à LGPD como etapa obrigatória no ambiente em que os documentos são catalogados para resolver o problema, “de modo que os entes (estados e municípios) promovam as devidas anonimizações de dados pessoais protegidos pela Lei nos documentos anexados ao Transferegov.br”.
Na ocasião, a pasta disse que “a disponibilização de informações e documentos no ambiente de acesso livre do Transferegov.br não é proibida” e que a restrição era “temporária”. Até o momento, porém, o governo não implementou a solução.
Especialistas dizem que a lei de proteção de dados não é maior do que o dever de transparência. Nesse caso, o governo precisa cumprir as duas regras e dar acesso aos documentos, ocultando apenas as informações sensíveis, e não a íntegra dos arquivos.
Um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU), de março de 2024, fixou o entendimento de que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais se aplica aos contratos da União, mas concluiu que o governo deveria suprimir os documentos e informações pessoais, e não restringir o acesso à íntegra dos arquivos.
Na última sexta-feira (16), após uma reportagem do jornal O Globo sobre o tema, o Ministério da Gestão realizou uma oficina para jornalistas sobre a plataforma de transparência. Os técnicos da pasta argumentaram que todas as informações necessárias estão disponíveis para o público, como valores gastos, municípios que receberam, empresas que realizaram as obras e andamento dos projetos, e são suficientes para dar transparência aos recursos, apesar de os documentos anexados a essas propostas estarem inacessíveis.
– Não houve nenhum recuo por parte dos ministérios nos instrumentos de transparência, todas as informações estavam, estão e continuarão presentes nos painéis do Transferegov – disse o secretário executivo adjunto do ministério, Adauto Modesto Junior.
– Nós temos o dever de transparência, nós temos o dever de proteção de dados pessoais e hoje eu não consigo identificar e gerir – disse a secretária adjunta de Gestão e Inovação do ministério, Regina Lemos de Andrade.
– Não somos contra a transparência, entendemos que tem de proteger os dados, mas trabalhávamos há anos com uma transparência sem nenhuma restrição e, para nos adequarmos, precisamos de um prazo. Não é negativa de informação, não é querer fechar.
*AE