O que pode acontecer se delação de Mauro Cid for anulada?

Anulação ocorreria se a PF constatasse contradições em relação ao que o delator disse anteriormente.

Mauro Cid Foto: Roque de Sá/Agência Senado

O novo depoimento do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), o tenente-coronel do Exército Mauro Cid, corre o risco de culminar na anulação do acordo de delação premiada firmado por ele em setembro de 2023 com aval do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). O resultado dependerá do que for dito por Cid.

Advogados consultados pelo Estadão avaliam que a chance de anulação do acordo é pequena. Caso ocorra, não deve afetar as investigações, mas complicar a vida de Cid. O tenente-coronel foi ouvido novamente pela PF na última terça-feira (19), e nesta quinta (21), intimado por Moraes para uma oitiva no início da tarde.

Segundo o doutor em Direito Penal pela USP (Universidade de São Paulo) e coordenador do curso de Direito da ESPM Marcelo Crespo, uma anulação ocorreria se a PF constatasse contradições em relação ao que o delator disse anteriormente. Mesmo nesse caso, o acordo não seria cancelado de forma automática, cabendo à corporação providenciar e submeter um relatório a Moraes, com indicativos claros de omissão, por exemplo.

A Corte é quem faria o “juízo de valor” e decidiria pela anulação do acordo, como já ocorreu em casos anteriores em que a Procuradoria-Geral da República (PGR) fez o pedido.

O professor disse que, no caso de Cid, a grande dificuldade é lembrar de tudo, uma vez que o tenente-coronel pode se recordar de contextos, mas não de detalhes. Apesar disso, avaliou que é muito difícil que “tudo o que ele disse seja uma fantasia”.

– Quando há a quebra da delação, o conteúdo narrado pelo delator pode ser usado contra ele. É muito difícil que tudo o que ele disse seja uma fantasia, então, na hora que você quebra o contrato de delação, grande parte do que foi dito e apurado pode ser usado contra você. É decretar basicamente sua condenação – disse o professor.

Segundo ele, nesse caso, Cid perderia os benefícios firmados, mas o que ele disse e que tenha auxiliado a PF conseguir provas, seguiria valendo.

Sobre a possibilidade de anulação do acordo, o advogado Ariel Weber afirmou que é imprescindível que a ampla defesa e o contraditório, previstos em lei, sejam garantidos ao delator, já que a rescisão exige a demonstração de omissão dolosa (quando há intenção de omitir).

– Ou seja, é necessário comprovar que o colaborador intencionalmente ocultou algum fato ilícito relevante para o objeto da colaboração – explicou.

Weber, que já atuou no processo de colaboração de Joesley Batista, um dos donos da JBS, e do empresário e ex-bilionário Eike Batista, destaca que, apesar das declarações de Cid continuarem a valer por meio das provas obtidas, elas não podem ser usadas isoladamente.

– Isso significa que as informações e elementos obtidos por meio da colaboração que incriminem terceiros poderão ser mantidos no processo e avaliados pelo juiz, desde que não estejam contaminados por vícios ou nulidades – citando que o recebimento de denúncias ou a sustentação de ações penais baseadas exclusivamente nas declarações do colaborador são proibidas pela legislação.

O inquérito da corporação que repercutiu nos últimos dias aponta para um suposto plano de golpe que envolveria agentes especiais do Exército e o assassinato da chapa eleita em 2022, composta por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o vice Geraldo Alckmin (PSB). O suposto conluio também mirava em Moraes, que é relator dos inquéritos.

Mauro Cid foi preso em maio de 2022, em operação da PF sobre a inserção de dados falsos de vacinação da Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde. Após ter a delação premiada homologada por Moraes, ele foi liberado, 9 de setembro, do quartel onde estava detido, em Brasília.

Nos depoimentos, o tenente-coronel acusou o ex-presidente Bolsonaro de ser o mandante das fraudes no sistema de saúde e narrou a existência de reuniões entre Bolsonaro e comandantes das Forças Armadas para discutir uma forma de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em março deste ao, um vazamento de áudios em que o ex-ajudante de ordens afirma que o inquérito sobre a tentativa de golpe de Estado é uma “narrativa pronta” o fez voltar para a prisão por descumprimento das medidas cautelares, e ameaçou a anulação da delação – que foi mantida por Moraes. Cid foi solto novamente em maio, em liberdade provisória.

O ex-ajudante de ordens é peça central nos inquéritos que se debruçam sobre supostos ataques às urnas eletrônicas, os atos golpistas, as fraudes no cartão de vacinação do ex-chefe do Executivo e o suposto esquema de venda de joias e presentes entregues a Bolsonaro.

*AE

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