Sob bombardeios diários de Israel, sul do Líbano virou uma zona de guerra

Em Nabatieh ouvem-se caças israelenses voando, bombardeios e a resposta dos combatentes do grupo extremista Hezbollah, com foguetes.

Sob bombardeios diários de Israel, sul do Líbano virou uma zona de guerra

Um dia após ser alvo de pelo menos 15 bombardeios aéreos de Israel, a cidade de Nabatieh, no sul do Líbano, é um amontoado de ruínas. A fuligem e o cheiro de queimado continuam no ar nesta cidade a 30 quilômetros da fronteira com Israel. Ouvem-se caças israelenses voando, bombardeios e a resposta dos combatentes do grupo extremista Hezbollah, com foguetes.

A cidade recebeu ordens de retirada de civis dadas pelas forças israelenses antes do ataque de quarta-feira (16). Mas o prefeito de Nabatieh, Ahmad Kahil, e outros funcionários da prefeitura insistiram em ficar. Planejavam discutir a distribuição de ajuda humanitária para os poucos libaneses que se recusam a sair de suas casas. Um dos bombardeios atingiu em cheio a prefeitura em plena reunião e matou o prefeito e mais cinco pessoas. No total, 16 mortos e 52 feridos na cidade.

O primeiro-ministro do Líbano, Najib Mikati, condenou o ataque, dizendo que Israel havia alvejado intencionalmente funcionários municipais que estavam distribuindo ajuda.

Nabatieh é agora uma cidade fantasma, como boa parte das localidades do sul do Líbano e das estradas da região, por onde trafegam apenas alguns poucos veículos do Exército libanês. Cidades e vilarejos no sul libanês são bombardeados diariamente.

Nesta quinta-feira (17), a reportagem encontrou dezenas de prédios e casas destruídas, destroços em todo canto, fumaça e ruas desertas. A cidade, de maioria xiita e controlada pelo Hezbollah, tinha vários pôsteres de Nassan Nasrallah, o líder da facção morto em um bombardeio israelense no final de setembro.

Nas paredes e postes, havia também dezenas de fotos de combatentes mortos, chamados de mártires, de membros do grupo extremista e do partido Amal, também xiita. Um único morador, que se identificou como Ali, andava no meio dos escombros. “Eu fiquei sozinho aqui. Eu estou aqui desde o começo da guerra e eu vi tudo”, disse o homem de muletas, que parecia estar desorientado.

A reportagem deixou o local após ser abordada por combatentes do Hezbollah que chegaram de moto.

Nabatieh havia sido bombardeada na semana passada. Foi destruído na ocasião um marco histórico da cidade –um mercado da era otomana, de 1910. Mas a cidade vinha sendo atacada desde que o Hezbollah começou a lançar foguetes contra Israel em apoio ao Hamas, depois dos atentados terroristas que mataram cerca de 1.200 em Israel em 7 de outubro de 2023. Em Gaza, já morreram mais de 43 mil pessoas, segundo dados do Ministério da Saúde local, controlado pela facção palestina.

Um porta-voz das forças israelenses afirmou que Tel Aviv havia atingido dezenas de alvos do Hezbollah na área de Nabatieh. O embaixador de Israel na Organização das Nações Unidas (ONU), Danny Danon, acusou o grupo libanês de se aproveitar de infraestrutura civil.

O país de Binyamin Netanyahu afirma ter dois objetivos em sua ofensiva no Líbano –enfraquecer o Hezbollah e empurrá-lo para mais longe da fronteira, acima do rio Litani, seguindo a resolução 1701 da ONU. Segundo o governo israelense, isso permitiria que 60 mil israelenses deslocados do norte do país voltassem a suas casas, e Netanyahu já pontuou esse retorno como um de seus objetivos no conflito.

As ordens israelenses de retirada de civis, no entanto, envolvem mais de 150 cidades no sul do Líbano, muitas delas bem acima do rio Litani, colocando em dúvida o objetivo alegado de apenas seguir a resolução.

Na cidade cristã de Marjayoun, a 8 quilômetros da fronteira de Israel, o cenário é diferente. O local foi praticamente poupado –desde o acirramento do conflito em setembro, dois carros que passavam no vilarejo foram bombardeados, mas não houve destruição de casas como em Nabatieh.

No entanto, as forças israelenses atingiram o hospital da cidade onde atuavam equipes de resgate, de modo que agora Marjayoun está sem acesso a serviços médicos. Além disso, a cidade está cercada por vilarejos em que houve invasão terrestre de Israel e onde segue havendo intensos bombardeios, como Kfar Kila e Khiam.

Além disso, Marjayoun está em frente a posições de onde o Hezbollah ataca Israel. “O problema é que Hezbollah ataca com Katyusha [foguetes da era soviética], sem controle nenhum, e eles caem em qualquer lugar, ou seja, estamos vulneráveis a ataques tanto do Hezbollah, quanto de Israel”, diz Amer, um vereador de Marjayoun que falou à reportagem, mas que não quis dar seu sobrenome.

Os moradores afirmam se sentir como alvos ambulantes em meio ao conflito entre os dois países vizinhos. A maioria diz preferir andar só de carro, porque se baseiam na ideia de que Israel já identificou seus veículos e sabem que eles não são membros do Hezbollah. “Se a gente estiver andando a pé, nada garante”, diz Hassan (nome fictício), um morador da cidade que trabalha com a ONU e também falou sob anonimato.

Outro medo é com a infiltração dos membros do Hezbollah na cidade. Segundo eles, muitos membros do grupo extremista estão usando casas abandonadas pelas pessoas que fugiram para Beirute para estocar armas. “Vai saber se tem alguém deles escondido do lado da minha casa e Israel vai bombardear”, diz Hassan.

Amer, o vereador, estima que, dos 2.500 habitantes de Marjayou antes do conflito, só 240 ainda estão na cidade –o que representaria uma redução de 90% da população.

Segundo o Ministério da Saúde do Líbano, os ataques de Israel desde outubro de 2023 mataram ao menos 2.367 pessoas. Os feridos somam mais de 11 mil.

 

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