Venezuela: Amorim vê brecha para Corte pedir novas eleições

Ditadura e oposição se recusam a realizar um novo pleito.

Celso Amorim Foto: Agência Senado

O ex-chanceler Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República, disse, nesta quinta-feira (15), que a ideia de promover novas eleições na Venezuela não é dele, mas que vê brechas para esse desfecho a partir de eventual anulação do pleito pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a entidade máxima do Judiciário da Venezuela controlada pela ditadura chavista.

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), enviado por ele ao país, participou de audiência pública no Senado para dar explicações sobre seu papel e a iniciativa de diálogo do Brasil, provocado pela oposição ao governo Lula. Insistentemente questionado sobre qual seria a posição do país se o resultado eleitoral não ficar demonstrado, Amorim disse que o Brasil não vai reconhecer um governo venezuelano se as atas de votação não forem divulgadas, como demanda a comunidade internacional.

Quase três semanas depois da eleição, a ditadura venezuelana ainda não apresentou publicamente as atas de votação, o documento que registra o total de votos e o resultado em cada um dos cerca de 30 mil locais de votação da Venezuela.

– Se não houver nenhum acordo que possibilite avançar, nós não vamos reconhecer um governo se as atas não aparecerem – afirmou o ex-ministro.Segundo Amorim, a realização de uma espécie de “segundo turno” é um tema em discussão nos bastidores do governo Luiz Inácio Lula da Silva e com outros interlocutores externos, como saída para o impasse entre o regime do ditador Nicolás Maduro e a oposição. Os dois lados dizem ter vencido a disputa de 28 de julho. O assessor especial argumentou que, se ambos argumentam ter vencido, poderiam ganhar novamente uma segunda votação.

A ideia de uma nova eleição na Venezuela foi defendida também pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, mas é vista com ceticismo pela maioria da comunidade internacional. O próprio chavismo rejeitou a ideia.

– É uma estupidez. Não vamos repetir eleições coisa nenhuma. Um segundo turno? Na Venezuela não há segundo turno. Senhores… Não se metam nos assuntos internos da Venezuela que vamos respondê-los – afirmou o número 2 do chavismo, Diosdado Cabello, vice-presidente do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela), a legenda que controla o Estado venezuelano e tem Maduro na liderança.

Opositores também rejeitam a possibilidade de uma nova eleição, e consideram que a apresentação de atas, a esta altura, estaria sujeita a novas fraudes.

– Eu pergunto a vocês. Se não agradar o resultado de uma segunda eleição, vamos pôr uma terceira? Uma quarta? Uma quinta? Vocês aceitariam isso em seu país? Propor isso é desconhecer o que aconteceu em 28 de julho, é um desrespeito aos venezuelanos – disse María Corina Machado em uma coletiva de imprensa.

Partidários do opositor Edmundo González Urrutia divulgaram cópias das atas eleitorais que o mostram com 67% dos votos, ante 30% de Maduro. Um estudo realizado por Walter Mebane, professor de ciência política da Universidade de Michigan (EUA) e especialista em detecção de fraude eleitoral, concluiu que não houve fraude nas atas eleitorais divulgadas pela oposição da Venezuela para afirmar que o vencedor das eleições foi Urrutia.

Já o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão oficial controlado pelo chavismo, deixou de dar transparência aos dados e proclamou a reeleição do ditador por 52% a 43%. O CNE disse ter sofrido um ataque cibernético – alegação que é contestada internacionalmente.

APURAÇÕES INDEPENDENTES
Ao menos três apurações independentes, da AP, do Washington Post e da plataforma AltaVista, desenvolvida por uma organização sem fins lucrativos da Venezuela indicam que o opositor venezuelano Edmundo González Urrutia venceu as eleições contra o ditador Nicolás Maduro nas eleições da Venezuela, diferentemente do que afirma o resultado oficial do Conselho Nacional Eleitoral (CNE).

Feitas com base em atas eleitorais disponíveis, as apurações identificaram que o opositor recebeu pelo menos meio milhão de votos a mais que o divulgado pelo órgão eleitoral do país, dominado pelo chavismo.

– Nosso objetivo é que tem que aparecer essas atas. E têm que ser publicadas pelo CNE. O problema e aí a gente não sabe bem, a legislação parece contraditória… A sala eleitoral da Corte Suprema permite considerar e se [a Corte] verificar que a vontade popular não está sendo respeitada pode anular a eleição. Então acabaria resultando no que a senhora e muitos outros chamam de minha proposta de novas eleições – disse Amorim, em resposta à senadora Teresa Cristina (PP-MS), autora do requerimento que o levou à audiência pública.

Celso Amorim afirmou que, oficialmente, nem ele nem o governo brasileiro jamais fizeram uma proposta de novas eleições, embora reconheça que o assunto vem sendo discutido nos bastidores. Amorim afirmou que ouviu a sugestão de um interlocutor “não brasileiro” com o qual discutiu uma saída. Ele se negou a revelar a identidade dessa pessoa.

– É um tema. É uma ideia que está aí. Estamos dialogando e vendo se surge uma ideia. Manter a paz é o objetivo principal – disse o ex-chanceler, que agregou que “segundo turno” não previsto nas leis venezuelanas e rechaçado pela oposição dependeria de uma sólida supervisão internacional e do levantamento de sanções.

ACORDO
Amorim também lembrou que o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, já sugeriu um acordo de garantias mútuas. O ex-chanceler destacou que o país tem recebido apoio de líderes globais como o presidente dos EUA, Joe Biden, e o presidente da França, Emmanuel Macron. Segundo eles, todos os países demonstram confiança na interlocução mantida pelo Brasil, embora nos bastidores haja discordâncias e também receio com o resultado final, como mostrou o Estadão.

Amorim revelou que recebeu um telefonema do Vaticano, nesta semana, e que Biden pediu uma nova chamada com Lula para tratar do assunto, o que pode ocorrer nas próximas horas.

– O Brasil não corre o risco de ser pária. Não vamos impor a democracia à Venezuela – afirmou o ex-chanceler.

Amorim afirmou que o regime e a oposição têm “visão distinta” também sobre o papel legal da Corte Suprema no ordenamento jurídico do país. Enquanto Maduro acionou a sala eleitoral do TSJ, controlada pela ditadura, pedindo uma investigação sobre um suposto ataque hacker vindo da Macedônia do Norte e a “certificação” de sua vitória, a Plataforma Unitária Democrática enxerga uma “invasão de competência”, porque o CNE deveria ser o órgão que trata das eleições, e boicotou o chamado para que González se apresentasse e se manifestasse na ação, alegando insegurança.

ESCALADA AUTORITÁRIA NA VENEZUELA REVELA IMPOTÊNCIA DO BRASIL
O assessor de Lula confirmou que não se encontrou com a líder opositora María Corina Machado nem visitou opositores na prisão. Ele disse ter sido enviado por Lula como potencial mediador de diálogo e que não “dispunha de ferramentas” para fazer uma ampla observação do pleito.

No entanto, afirmou que a perseguição preocupa o país. Citou que a comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas relatou 23 mortes em manifestações contrárias ao regime após a votação e 1,2 mil presos – número abaixo dos 2,2 mil citados pelo chavismo, o que indica, para o ex-ministro, uma forma de causar “temor” e ameaça.

Amorim revelou que o governo brasileiro ofereceu ao regime e à oposição enviar um avião oficial da Força Aérea Brasileira para retirar da Venezuela assessores da campanha de González que estavam abrigados na embaixada da Argentina.

As instalações argentinas e os edifícios ficaram sob a proteção do Brasil quando os países romperam relações, a partir da expulsão dos diplomatas de Buenos Aires. Amorim afirmou que não houve ainda resposta, mas insistiu que é necessário manter canais de diálogo com Caracas.

Segundo ele, somente a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Europeia (UE) teriam capacidade de realizar tal tarefa em escala, mas que a primeira “perdeu credibilidade” e que a segunda deu um “pretexto para ser desconvidada” pelo regime chavista, ao não levantar sanções.

– Não recebi a María Corina deliberadamente porque eu achei que alguém tinha que manter contato com o governo, mas sim recebi o candidato González. Todo mundo sabe das influências recíprocas [entre eles]. O candidato foi à embaixada, achei uma pessoa tranquila, não ameaçou nada – relatou o assessor de Lula, sobre um encontro na residência oficial brasileira, em 29 de julho.

O ex-chanceler também lançou dúvidas sobre ação diplomática na OEA. O governo dos Estados Unidos tenta mais uma vez negociar uma resolução e calibram o teor do texto para que pressione o regime de Maduro a parar a repressão de manifestação e divulgar o resultado da votação, permitindo uma checagem imparcial. Na primeira negociação, Brasil, México e Colômbia coordenaram a derrubada do documento da OEA.

*AE

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