Lessa confessou o crime e apontou os mandantes durante delação premiadaReprodução/Fantástico
Rio – O ex-policial militar Ronnie Lessa confessou, em delação premiada, que os irmãos Domingos Brazão, ex-conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, e o deputado federal Chiquinho Brazão,o ofereceram 10 milhões de dólares, o equivalente a mais de R$ 50 milhões, pela morte da vereadora Marielle Franco. Na proposta, seu comparsa receberia o mesmo valor, ou seja, juntos eles ganhariam mais de R$ 100 milhões pelo assassinato. Na ocasião, o motorista dela, Anderson Gomes, também foi assassinado.
O vídeo da confissão foi exibido pelo “Fantástico” na noite deste domingo (26). Nas imagens, Lessa confessa o crime pela primeira vez e aponta os mandantes. O ex-PM detalha o plano durante duas horas. “Não é uma empreitada, para você chegar ali, matar uma pessoa, ganhar um dinheirinho… Não”.
“Era muito dinheiro envolvido. Na época, daria mais de 20 milhões de dólares. A gente não está falando de pouco dinheiro […] ninguém recebe uma proposta de receber dez milhões de dólares simplesmente para matar uma pessoa. Então, na verdade, eu não fui contratado para matar Marielle, como um assassino de aluguel. Eu fui chamado para um sociedade”.
De acordo com o relatório da Polícia Federal, o primeiro encontro entre os envolvidos para tratar sobre o assassinato ocorreu em 2017, quando os irmãos Brazão contrataram Macalé, que atuava na Zona Oeste do Rio e era próximo aos mandantes. Em seguida, o ex-PM convidou Ronnie Lessa para participar da empreitada criminosa, e as armas e os veículos usados no crime foram providenciados.
Lessa revelou que teve três encontros com os mandantes, todos a noite em um lugar escuro da Barra da Tijuca, na Zona Oeste, onde na maioria das vezes Domingos falava mais, enquanto Chiquinho apenas concordava.
“Lá foi feito a proposta, a Marielle foi colocada como uma pedra no caminho, porque ela tinha convocado uma reunião com várias lideranças, se não me engano, em Vargem Grande, para que não houvesse adesão de novos loteamentos na milícia. Então, o que foi passado foi o seguinte: A Marielle vai atrapalhar e nós vamos seguir isso aí, pra isso ela tem que sair do caminho”, disse.
Na época, Lessa relatou que solicitou que os mandantes providenciassem a arma do crime e que de imediato pediu uma pistola, mas que Macalé o entregou uma submetralhadora. Posterior o crime, ele disse que a arma foi devolvida, mas que ele não concordou com isso, pois achava que ela deveria ter ido para o lixo.
“Eles queriam a arma de volta, que foi devolvida ao mesmo lugar de onde saiu por ordem dos irmãos Brazão, a arma foi levada ao Rio das Pedras. Macalé também disse que a arma tinha que ir pro lixo, mas os irmãos disseram que as armas tinham que ser devolvidas de onde saíram”, explicou.
Ainda em delação, o ex-PM reforçou que Marielle não tinha sido a primeira escolha dos irmãos, antes tinha surgido o nome do ex-deputado federal Marcelo Freixo.
“É uma grande quadrilha, tanto os irmãos Brazão, quanto os milicianos que atuam no terreno. Eu sou o cara da polícia, do batalhão, que bota o dedo na cara do miliciano mal criado”, disse Lessa.
Nas redes socias, Freixo comentou o caso. “O escritório do crime, do qual Ronnie Lessa faz parte, assassinou centenas de pessoas. O que foi feito ao longo desses anos todos? Nada. O Estado se omite no combate ao crime organizado. Só agora, com a execução covarde de Marielle, esse bueiro começa a ser aberto. É preciso transformar a nossa indignação em ação, imediatamente. O Rio de Janeiro não pode continuar sendo comandado por um cartel de milicianos e políticos corruptos”, disse.
Rivaldo Barbosa
Sobre o delegado Rivaldo Barbosa, Lessa reforça que desde o início Domingos Brazão informou a participação do então chefe da Delegacia de Homicídios da Capital.
“Falaram o tempo todo que o Rivaldo estava vendo, que o Rivaldo do já está redirecionando e virando o canhão para outro lado, que ele teria de qualquer forma que resolver isso, que já tinha recebido pra isso no ano passado, no ano anterior, ele foi bem claro com isso: ‘ele já recebeu desde o ano passado, ele vai ter que dar um jeito nisso’. Então ali, o clima já estava um pouco mais tenso, a ponto até mesmo na forma de falar”, relatou Lessa.
Dentro dessa narrativa, os irmãos disseram que o assassinato não poderia partir da câmara dos vereadores, por exigência do delegado. “Não pode porque o Rivaldo não quer”, diziam.
Um dia antes do crime, Rivaldo Barbosa se tornou o chefe de polícia do Rio e um dia depois do assassinato, nomeou o delegado Giniton Lages para comandar a Delegacia de Homicídios.
No relatório da investigação, a Polícia Federal afirma que a escolha de um homem de confiança serviu para que os trabalhos de sabotagem se iniciassem no momento mais sensível da apuração do crime. Os investigadores dizem ainda que Rivaldo e o delegado escolhido por ele só prenderam os executores por pressão imposta pela sociedade e pela mídia – e para preservar os autores intelectuais.
Prisões
Lessa está preso desde março de 2018, um ano depois das mortes de Marielle e Anderson. A arma usada no crime nunca foi encontrada. Já o ex-PM Edimilson de Oliveira, o Macalé, foi assassinado em novembro de 2021.
Os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, e o delegado Rivaldo Barbosa foram presos em março deste ano. Já o delegado Giniton Lages, que ficou à frente do caso Marielle na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) logo no início das investigações, foi apenas um dos alvos de mandados de busca e apreensão no dia das prisões dos mandantes.
O que dizem as defesas?
A defesa de Domingos Brazão diz que não existem elementos que sustentem a versão de Lessa e que não há provas da narrativa apresentada. Já os advogados de Chiquinho afirmam que a delação de Lessa “é uma desesperada criação mental na busca por benefícios, e que são muitas as contradições, fragilidades e inverdades”.
Enquanto a defesa de Rivaldo Barbosa alega que ele nunca teve contato com os supostos mandantes do crime e que não há registro de recebimento de valores provenientes de atos ilícitos. Além disso, os advogados também criticam a atuação da PF, dizendo que o relatório da investigação se baseia só nas palavras de um assassino, sem provas concretas.
Por fim, a defesa de Giniton Lages chama a acusação contra ele de “infâmia grosseira”. Além de reforçar que o delegado é o responsável por descobrir a autoria do crime e não a Polícia Federal.
O DIA