Cazuza acharia que o Brasil ainda não mostrou sua cara, diz a mãe Lucinha Araújo
Lucinha reconhece que não é difícil para ela gostar de algo que envolve o nome de seu filho, que completaria 65 anos em abril de 2023.
LEONARDO LICHOTE
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Lucinha Araújo lembra que Cazuza, seu filho, costumava ver em sua obra uma divisão. “Ele dizia que quando começou a compor ele cantava seus amores. Depois que se descobriu soropositivo, começou a cantar o Brasil. Passou a ser menos egoísta, segundo ele.”
O EP “Exagerados”, que saiu na última quinta-feira (29), lança um olhar de 2023 sobre o Cazuza dessa primeira fase. São quatro canções de amor, compostas antes de 1987, quando ele recebeu a confirmação da doença.
As composições são relidas por jovens cantores do elenco da gravadora Universal. Mahmundi interpreta “Faz Parte do Meu Show”, Carol Biazin fica com “Codinome Beija-Flor” e Bryan Behr visita “Pro Dia Nascer Feliz”. Juntos, os três cantam “Exagerado”.
São canções de amor ao estilo Cazuza, como nota Lucinha. “É um amor sempre cortante, rasgado. E ele tem aquelas imagens dele, como ‘vago na lua deserta’. Quem vaga na lua? É o poeta. Não sei de onde ele tirou isso, não foi de mim nem do pai”, diz ela.
O projeto foi desenhado pela Universal e apresentado para Lucinha, que não opinou nas escolhas dos artistas ou das canções. “Meu envolvimento foi só de uma fã do artista. Em momento nenhum fiz papel de mãe”, conta. “Só ouvi pronto, e adorei.”
Lucinha reconhece que não é difícil para ela gostar de algo que envolve o nome de seu filho, que completaria 65 anos em abril de 2023 –ele morreu em 1990. “Tudo o que se trata de Cazuza eu gosto. Mesmo quando as homenagens não ficam boas, o que não é o caso dessas gravações. Eles são cantores magníficos, que eu não conhecia. Cazuza não está aqui para ver e aplaudir, mas eu estou. Cada vez que o regravam é como se eu ganhasse um neto.”
O EP “Exagerados”, defende Lucinha, é uma reafirmação da eternidade da obra de Cazuza. “Não é uma opinião da mãe. Noel Rosa morreu com 26 anos, há décadas, e até hoje se fala dele. Não tenho o menor pudor em dizer que Cazuza é um dos maiores, senão o maior poeta da música brasileira”, diz, antes de se desculpar pela modéstia.
Em sua opinião, apenas um colega de geração rivaliza com Cazuza como poeta. “Como ser humano, ele era como outro qualquer, sujeito a defeitos e qualidades. Mas como poeta, só abro mão de seu lugar para o Renato Russo. A diferença é que o Renato era geneticamente triste, enquanto o Cazuza era geneticamente alegre.”
Cada canção de “Exagerados” foi escolhida por seu intérprete. As gravações foram feitas ao vivo, num cenário pensado especialmente para o projeto, o primeiro da série UMusic Play Sessions, que promoverá encontros originais entre artistas da gravadora.
Os arranjos são assinados pelos produtores Kassin e Nave, e a banda que acompanha os cantores tem em sua formação Dani Dufour na guitarra, Dudinha no baixo, Herbert Medeiros nos teclados e Marinho Lima na bateria. As canções também ganharam vídeos, que serão lançados separadamente até 11 de julho.
Lucinha conta que ainda descobre versos que haviam passado despercebidos a ela nas letras de Cazuza, e que se emociona ouvindo suas gravações e reinterpretações feitas por outros. Foi o que aconteceu há pouco tempo, assistindo à novela “Vai na Fé” e sendo surpreendida por uma cena na qual os atores Emilio Dantas e Caio Manhentes, pai e filho na trama, conversam depois de uma briga.
No diálogo, eles declamam alternadamente versos da canção “Mal Nenhum”, parceria de Cazuza e Lobão (“Nunca viram ninguém triste/ Por que não me deixam em paz/ As guerras são tão tristes/ E não tem nada de mais”).
Há outro projeto de celebração dos 65 anos de Cazuza encampado por Lucinha. Ela trabalha com Flora Gil na edição de um livro de arte ainda sem título que, além de todas as letras de seu filho, terá imagens do acervo pessoal do artista.
“Tenho um arquivo dele que só Nossa Senhora tem de Jesus Cristo”, brinca. “Tem bilhetes inacreditáveis, como um que Fernanda Montenegro escreveu para ele, o Livro do Bebê… Além das letras completas, que eu já tinha lançado [no livro ‘Preciso Dizer que Te Amo’, de 2001], só que agora vou incluir umas 20 e poucas inéditas que encontrei.”
A mãe de Cazuza imagina que, se estivesse vivo, seu filho manteria o olhar ácido sobre o país. “Ele ia achar que o Brasil ainda não mostrou a sua cara. Estaria muito insatisfeito, mas sempre na vanguarda.”