Investidores tiram R$ 17 bi de fundos com títulos de empresas em 2023
Esses fundos tiveram retirada líquida, ou seja, a diferença entre aplicações e resgates realizados no período, de R$ 5,1 bilhões em janeiro e R$ 12,2 bilhões em fevereiro.
RENATO CARVALHO
SÃO PAULO (FOLHAPRESS) – Antes considerado uma boa opção para investidores, com retornos atraentes e acima da inflação, os fundos que têm em sua composição títulos emitidos por empresas, ou de crédito privado, sofreram resgates líquidos de R$ 17 bilhões nos dois primeiros meses de 2023.
Esses fundos tiveram retirada líquida, ou seja, a diferença entre aplicações e resgates realizados no período, de R$ 5,1 bilhões em janeiro e R$ 12,2 bilhões em fevereiro.
A informação consta em relatório elaborado pelo banco ABC Brasil e coloca uma lupa sobre uma tendência que já vinha sendo notada pelo mercado depois do caso Americanas, em janeiro.
O levantamento leva em conta a exposição a debêntures de cada fundo. Portanto, se um fundo tem 10% de sua carteira alocada nesse tipo de título, os resgates serão calculados considerando essa proporção.
Debêntures são títulos emitidos geralmente por grandes empresas, que na prática representam um empréstimo feito por investidores.
Segundo Roberto Dumke, um dos analistas que assinam o relatório do ABC Brasil, há uma percepção de que o cenário para grandes empresas é muito mais complexo do que um caso isolado de inconsistência contábil.
“Isso mostra que o caso Americanas, quando tratamos da situação financeira das empresas, não é tão isolado assim. Os gestores enxergam um cenário mais difícil. Tanto que as taxas pedidas para comprar títulos no mercado secundário estão em alta”, diz Dumke.
O mercado secundário é o ambiente de negociação direta entre agentes de mercado, como fundos e investidores, sem participação das empresas que emitem os títulos.
Os prêmios são compostos por taxas pagas além do indicador que serve como base para pagamento de juros ao comprador, na maioria das vezes o CDI, que é atrelado à taxa básica de juros.
De acordo com o ABC, os prêmios dos 25 títulos mais negociados nos últimos seis meses até o fim de fevereiro saíram de 1,80% ao ano em dezembro para 2,61% ao ano em fevereiro.
Isso leva a uma diminuição no valor dos títulos, o que afeta rapidamente as cotas de fundos de investimentos que possuem esses papéis em sua composição.
Segundo as informações do ABC Brasil, os títulos da Light tiveram quedas significativas em seus preços, depois de notícias sobre um possível pedido de recuperação judicial.
De acordo com o relatório, os preços dos títulos emitidos pela empresa de energia tiveram quedas de até 70% no mercado secundário em fevereiro. Ou seja, um título da Light com valor unitário de R$ 10 mil até o fim de janeiro era negociado em fevereiro a R$ 3.000.
Desde o início deste ano, os fundos são obrigados a atualizar os valores dos ativos que os compõem. Esse movimento tem o nome técnico de marcação a mercado. Assim, quando há eventos como o da Americanas ou da Light, o impacto nos valores das cotas dos fundos é quase imediato.
Segundo Carlos André, presidente da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), essa nova regra passou por um teste rápido com o caso Americanas. Ela serve para dar maior transparência e isonomia ao mercado de fundos.
“Antes, se um investidor tivesse acesso a alguma informação que seria refletida nas cotas somente tempos depois, ele resgatava. Os outros ficavam com o prejuízo. Agora, as informações são públicas e atualizadas diariamente para todos”, diz Carlos André.
Segundo dados da Anbima, toda a indústria de fundos tem um início de 2023 difícil. Os fundos de investimento tiveram resgate líquido de R$ 24,6 bilhões em janeiro, número impulsionado pelas categorias Multimercado e Ações.
EMISSÕES ESTÃO PRATICAMENTE PARADAS
Com o aumento das taxas no mercado secundário, os investidores estão cobrando preços altos para as empresas que precisam se financiar no mercado. Isso tem levado a uma diminuição na oferta de títulos privados.
Segundo o levantamento do ABC, as emissões de debêntures, notas promissórias e notas comerciais caíram de R$ 45 bilhões em dezembro de 2022 para R$ 19 bilhões em janeiro e para R$ 8 bilhões em fevereiro.
A Rede D’Or São Luiz, dona de vários grandes hospitais em todas as regiões do país, fez uma emissão de R$ 1,1 bilhão, pagando CDI mais um prêmio de 1,70% ao ano. Foi a maior empresa a ir a mercado no mês passado.
Algumas empresas menores, como a Mottu, de aluguel de motos, e a construtora Jota Ele tiveram que oferecer prêmios próximos a 5% para viabilizar suas captações.
Um executivo do mercado financeiro, que prefere não se identificar, espera um aumento no volume de oferta subsequente de ações como alternativa de financiamento. Mas só para empresas muito bem-vistas no mercado.
Não será o caso, segundo ele, para empresas como a Marisa, que recentemente trocou seu presidente e anunciou que vai tentar renegociar dívidas que chegam a R$ 600 milhões.
Os bancos também mostram pouca disposição em elevar a concessão de crédito em 2023. O Itaú Unibanco triplicou sua cobertura contra inadimplência de grandes empresas durante o ano passado, e seu presidente, Milton Maluhy Filho, aconselhou, durante apresentação dos resultados de 2022, que as companhias diminuam seu endividamento.
O Banco do Brasil, que já tinha uma estratégia de baixa exposição no crédito para grandes corporações, deu sinais que vai continuar e até ampliar essa linha de atuação em 2023, dando preferência para emissões no mercado de capitais.
Mas, segundo Dumke, os próprios bancos estão segurando as emissões das empresas. “Não há um horizonte de quando o cenário de juros vai mudar. As despesas financeiras ficam muito altas, e, mais cedo ou mais tarde, as contas acabam não fechando.”
Para ele, ainda é difícil dizer quando o ambiente estará mais favorável.
“Pode ser daqui um mês, pode ser no segundo semestre. As emissões levam até 90 dias entre seu início e a distribuição dos títulos. As empresas precisam ter alguma visibilidade, e isso é difícil neste momento”, diz Dumke.