Fora da cadeia, Sérgio Cabral quer ser consultor político.

Ex-governador deixou a prisão por decisão do STF.

Ex-governador Sérgio Cabral Foto: Agência Brasil/Antônio Cruz

Quando participou da Farra dos Guardanapos em Paris, em 2009, ele comemorava, oficialmente, a Medalha Légion d’Honneur que recebera do governo local. Secretamente, também celebrava, por antecipação, a escolha do Rio para sediar a Olimpíada de 2016, comprada com propina de 2 milhões de dólares a integrantes do Comitê Olímpico Internacional (COI), segundo o Ministério Público Federal diria anos depois.

A festança foi revelada em 2012, quando vieram a público as imagens dos secretários e empresários com as cabeças cobertas por panos brancos, no evento em homenagem ao mandatário. Virou símbolo da Era Cabral, simbolicamente encerrada com sua prisão preventiva em novembro de 2016, que abriu o período do ex-todo poderoso fluminense na cadeia – fechado agora pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que o tirou do regime fechado – ele vai cumprir domiciliar.

Tanto a orgia de novo rico ao lado de amigos e assessores eufóricos na noite regada a vinho francês como os seis anos de prisão fechada parecem sinais de que Cabral, com suas 23 condenações e penas de mais de 400 anos de prisão envolvendo corrupção, foi longe demais.

Os valores levados pelo então jovem Cabral para as campanhas eleitorais na década de 1990 não perduraram. O ex-cacique do MDB se tornou o símbolo da corrupção revelada pela Operação Lava Jato. Era o único político de destaque que ainda estava preso em consequência das investigações dos procuradores do Ministério Público Federal.

AMIGO DE LULA
Ao assumir o governo do segundo maior estado do País, Cabral se aproximou do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja reeleição apoiou no segundo turno. Posteriormente, ligou-se à presidente Dilma Rousseff. A proximidade de Cabral e Dilma foi explorada em campanhas, discursos, vídeos e fotos durante a campanha da petista ao Planalto com o bordão “estamos juntos”.

O prestígio de Cabral e sua proximidade do petismo foram tão grandes que chegou a ser cogitado para concorrer a vice-presidente na chapa encabeçada pelo PT. A partir da explosão dos primeiros casos de corrupção revelados contra Cabral, porém, Dilma se distanciou. A ex-presidente chegou a divulgar uma nota para marcar a distância que, segundo ela, havia entre os dois.

Envolvido em dezenas de denúncias de corrupção, o ex-governador foi preso em seu apartamento, no Leblon, na Operação Calicute, em 17 de novembro de 2016. Foi a primeira das 55 operações promovidas pela versão carioca da Lava Jato. Mais de 550 pessoas foram denunciadas e mais de 300 chegaram a ser presas.

Seu período na cadeia foi turbulento, com algumas mudanças de prisão, por causa de supostas regalias. Segundo procuradores, foi Cabral o responsável pela instalação ilegal de uma videoteca na Cadeia José Frederico Marques, em Benfica, onde estava preso. Uma batida do MP identificou indícios de regalias, como sinais de compras de comida em restaurantes caros – o problema se repetiria, mesmo com as mudanças do detento.

LIBERDADE
Em 10 de dezembro, a 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio revogou duas ordens de prisão contra o ex-governador. Autorizou-o a cumprir prisão domiciliar se não houvesse nenhuma outra ordem de prisão em vigor contra ele.

O atual governador do Rio, Cláudio Castro (PL), chegou a ser informado da ordem de levar Cabral para a prisão domiciliar. Mas pediu aos agentes que esperassem que dúvidas sobre a decisão fossem sanadas.

No dia seguinte, o oficial de Justiça Antônio Carlos Gonçalves fez uma pesquisa no Banco Nacional de Mandados de Prisão e não encontrou outras ordens contra Cabral. Então foi à Unidade Prisional da PM do Rio, em Niterói, para soltá-lo. Mas era só um defeito no sistema. Ainda havia uma condenação pendente.

Em junho de 2017 o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro, condenou Cabral a 14 anos e dois meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.

Foi a primeira condenação do ex-governador na Lava Jato, por ter recebido propina de uma construtora em troca do contrato com o governo estadual para terraplanagem do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj). Essa decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região em 30 de maio de 2018.

Na época, o STF considerava que bastava uma condenação em segunda instância (como é o caso do TRF) para que réus fossem presos, mesmo que ainda tivessem direito a recurso. Em 7 de novembro de 2019, no entanto, o STF mudou o entendimento – desde então, só o fim da ação justifica a prisão da pessoa condenada. Apesar da mudança, Cabral não foi libertado porque havia outras ordens de prisão pendentes.

CABEÇA GRISALHA
A pouco mais de um mês de fazer 60 anos, com cabelos grisalhos, Cabral sabe que ficou no passado o tempo em que viajava várias vezes por ano à Europa – deixando o governo a cargo do vice, Luiz Fernando Pezão – para se hospedar em hotéis de luxo ou acompanhar eventos como shows do U-2.

Também não voltará a época em que, governador, pretextando necessidade de segurança, usava o helicóptero do Estado para se deslocar para o trabalho, todo dia. Ia então de carro, sob escolta, do Leblon à Lagoa, onde embarcava na aeronave para um curto voo até o Palácio Guanabara, em Laranjeiras. O barulho dos pousos e decolagens gerava reclamações de vizinhos.

A justificativa de Cabral para a vida de milionário era o escritório de advocacia da sua então mulher, Adriana Ancelmo – Coelho, Ancelmo e Associados. A banca, que foi modesta até sua chegada ao governo, teve crescimento exponencial durante seu governo. A Justiça identificou os pagamentos como indício de lavagem de dinheiro. Isso levou a ex-primeira dama à cadeia, da qual a acusada já saiu, antes de Cabral, de quem se separou.

Segundo fontes próximas, Cabral esperou com tranquilidade a decisão do STF que o libertou. Esse clima de serenidade foi interrompido pela notícia de que um dos seus cinco filhos, José Eduardo, era alvo de uma operação contra o comércio ilegal de cigarros. Precisou de atendimento médico, e Zé Cabral, como é conhecido o jovem de 26 anos, depois de fugir, apresentou-se para ser preso. Depois, foi solto.

Também na cadeia, o pai se recompôs. Faz exercícios, lê muito. Sabe que a política, como conheceu no Estado do Rio, mudou completamente, e que é agora desimportante no cenário do poder – outro de seus filhos, Marco, pela segunda vez não conseguiu se eleger deputado.

Já deixou claro a pessoas próximas saber que uma retomada da carreira política é inviável. Acalenta um projeto: quando libertado, tornar-se consultor político. Um negócio que mesmo pessoas que o conhecem há anos consideram difícil para quem, na vida pública, teve e perdeu tudo.

Talvez não haja quem queira se arriscar publicamente a ter como conselheiro um ex-governador condenado dezenas de vezes por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Mas seria uma forma de o ex-governador ficar próximo do mundo onde cresceu.

– Cabral tem a política no sangue – diz um amigo, ex-companheiro de disputas eleitorais.

*AE

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