Rodrigo imita Doria e multiplica repasse de verba política para aliados em ano eleitoral
De janeiro deste ano ao fim de julho, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), a gestão Rodrigo e Doria liberou R$ 1,28 bilhão em recursos para que deputados irriguem suas bases políticas com benefícios, como obras e gastos com saúde.
FOLHAPRESS) – Governador de São Paulo desde abril e candidato à reeleição, Rodrigo Garcia (PSDB) manteve a prática de seu antecessor João Doria (PSDB), de quem era vice-governador, de multiplicar repasses de verbas políticas para atender a parlamentares.
De janeiro deste ano ao fim de julho, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), a gestão Rodrigo e Doria liberou R$ 1,28 bilhão em recursos para que deputados irriguem suas bases políticas com benefícios, como obras e gastos com saúde.
Como no ano passado, até deputados federais foram contemplados, em uma ação pouco comum.
A Folha de S.Paulo revelou que Doria autorizou a destinação de R$ 1,05 bilhão (R$ 1,17 bilhão em valores corrigidos) a parlamentares no mesmo período de 2021. Em 2020, o valor repassado foi de R$ 182,9 milhões (R$ 213,7 milhões corrigidos).
Houve um salto promovido por Doria e Rodrigo em anos cruciais –das prévias tucanas em 2021 e de eleição em 2022.
Entre os 14 partidos contemplados, 9 compõem a coligação de Rodrigo. As seis primeiras posições no ranking da verba são ocupadas por legendas desse grupo aliado.
Com o apoio da máquina pública, a campanha tucana espera que a atuação de prefeitos e deputados no interior promova uma virada que leve Rodrigo ao segundo turno nesta reta final.
O governador marcou 19% na última pesquisa Datafolha, atrás de Fernando Haddad (PT), com 34%, e de Tarcísio de Freitas (Republicanos), com 23%.
A transferência dessa verba, chamada de demanda parlamentar, obedece a uma lógica de emendas extras ou voluntárias. Ou seja, o pagamento não é obrigatório e ocorre conforme a conveniência do governo tucano, o que acaba beneficiando a base aliada.
Já as emendas impositivas são de execução obrigatória e são distribuídas de forma igual entre os 94 deputados estaduais. O valor, no entanto, fica bem abaixo da verba destinada aos aliados. Neste ano, cada deputado tem direito a cerca de R$ 6,6 milhões (aproximadamente R$ 620 milhões no total).
O TCE (Tribunal de Contas do Estado), ao analisar as contas do governo de 2021, citou indícios de distribuição dos valores com caráter político e também a falta de controle e transparência em relação aos repasses.
Adversários dos tucanos veem o uso da verba pública como moeda de troca eleitoral para obter apoio de prefeitos, deputados e partidos, o que poderia levar a suspeitas de abuso de poder ou improbidade administrativa, de acordo com advogados. O pagamento de emendas extras, no entanto, é algo comum e lícito na administração pública.
Na semana passada, a campanha de Rodrigo começou a distribuir um jornal que lista realizações do governo em cada cidade.
O deputado estadual Carlos Giannazi (PSOL) já propôs uma CPI sobre o tema, mas não conseguiu as assinaturas dos colegas necessárias. “Estão reproduzindo a mesma prática do Bolsonaro”, diz ele a respeito das emendas de relator que sustentam o apoio do Congresso ao chefe do Executivo.
“É uma forma escancarada de cooptar os deputados. Assim o governo consegue aprovar medidas tão impopulares. E funciona muito, porque os prefeitos dependem das emendas”, afirma.
Ainda segundo Giannazi, o que ele chama de clientelismo cria uma desigualdade de competição na eleição entre deputados da base, que têm mais vitrines, e os deputados da oposição. O PSOL, por exemplo, não recebeu a verba extra.
O governo afirmou que o atendimento a parlamentares é legítimo e que as solicitações passam por análise técnica. A assessoria de imprensa informou que os recursos se referem a demandas enviadas para processamento e que “isso não implica que todas foram efetivamente pagas”.
As demandas parlamentares foram aplicadas em 639 dos 645 municípios do estado. Na eleição, Rodrigo conta com o apoio da maioria dos prefeitos -em um comício na capital, na segunda (19), estavam presentes 511 prefeitos e mais de 2 mil vereadores segundo a campanha.
“Acorde um pouco mais cedo e durma um pouco mais tarde para pedir votos”, cobrou o governador ao discursar no evento. “Preciso de cada um de vocês na sua cidade”, disse ele. Rodrigo afirmou ainda que vai saber reconhecer quem esteve do seu lado.
O recurso beneficiou 59 deputados estaduais e 24 deputados federais, inclusive presidentes de partidos (Podemos, Solidariedade e MDB), que compõem a coligação tucana. O deputado federal Guilherme Mussi (PP-SP) foi o que mais teve verba liberada, R$ 74,9 milhões. Ele não respondeu à reportagem.
Mesmo aliados de Rodrigo afirmam que houve um esforço para atrair o PP. O partido apoia Jair Bolsonaro (PL) nacionalmente, mas, em São Paulo, em vez de endossar Tarcísio, se aliou ao PSDB.
Entre os estaduais, Léo Oliveira (MDB) foi o campeão com R$ 49,5 milhões. O deputado diz que usa critério técnico e transparente para definir as emendas. “A indicação destes recursos foi principalmente para a saúde pública, […] fazendo a diferença na eficiência na prestação do serviço público.”
O coordenador da campanha de Haddad, deputado estadual Emidio de Souza (PT), teve R$ 2,5 milhões liberados, mesma cifra de outros petistas. No total, o PT foi contemplado com R$ 28,6 milhões.
Emídio afirmou à reportagem que é função do deputado levar recursos para as cidades e que ele tem indicado emendas para “demandas que o governo não tem priorizado”. “Felizmente algumas foram contempladas e quem ganha com isso é a população”, diz.
O PT e siglas da coligação de Tarcísio, como Republicanos (R$ 30 milhões) e PSD (R$ 25 milhões), estão na parte de baixo do ranking. No topo, figuram o PSDB (R$ 292,6 milhões) e a União Brasil (R$ 215 milhões).
Vice de Rodrigo, o deputado federal Geninho Zuliani (União-SP) teve R$ 19,1 milhões liberados. Ele também não respondeu à reportagem.
O valor de cada demanda varia de R$ 15 mil a R$ 20 milhões -duas emendas extras desse valor foram destinados para a deputada federal Renata Abreu (Podemos-SP). A assessoria de Renata afirma que o Podemos já estava na base do governo antes e que, se ela teve “destaque na obtenção de recursos, é sinônimo de eficiência do mandato”.
O detalhamento das demandas parlamentares não é disponibilizado pelo governo no portal da transparência. Após o pedido via LAI, a gestão enviou milhares de arquivos em PDF, correspondentes a cada demanda -não há sistematização e transparência pública sobre esses dados.
No ano passado, os dados só foram liberados após sete pedidos via LAI e entregues fisicamente. A reportagem teve que fotografar mais de 5.000 folhas de papel.
OUTRO LADO
O governo afirmou que “o atendimento legítimo a parlamentares” eleitos não é irregular e que “o jornal reproduz o discurso do candidato do PT”. “Na visão dele, o governo deveria deixar de atender os municípios e paralisar os repasses que mantém serviços de saúde, enquanto o processo eleitoral não é concluído.”
O governo diz ainda que avalia sugestões de demandas feitas pelo cidadão, por entidades ou por intermédio de deputados e prefeitos. “Todas as solicitações passam por análise técnica das secretarias, que avaliam a possibilidade de atendimento. O critério é o interesse público. O processo é transparente”, afirma.
A nota diz ainda que, como PT e Republicanos foram contemplados, “não é verdade que não são atendidos partidos que não integram a base”. “Não é possível fazer qualquer comparação com 2020, um ano atípico e de especial urgência”, conclui, mencionando a pandemia.