Fiocruz: moradores de Brumadinho convivem com alta exposição a metais
A pesquisa mostra que, entre os adolescentes, alguns metais estão acima dos limites de referência
Adultos, crianças e adolescentes da cidade de Brumadinho, em Minas Gerais, têm no corpo uma concentração elevada de metais como arsênio, manganês, cádmio, mercúrio e chumbo, segundo a primeira etapa da pesquisa Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho.
Elaborada por pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Minas Gerais e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a pesquisa mostra que, entre os adolescentes, alguns metais estão acima dos limites de referência, com destaque para arsênio total na urina (28,9% com mais de 10 μg/g creatinina), manganês no sangue (52,3% com mais de 15 μg/L) e chumbo no sangue (12,2% com mais de10 μg/dL).
Já nos adultos, o estudo apresentou elevadas proporções de níveis aumentados de arsênio total na urina (33,7%) e de manganês no sangue (37%).
O estudo, que avalia as condições de vida, saúde e trabalho da população de Brumadinho depois do desastre provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Vale, em janeiro de 2019, avalia também a saúde mental dos moradores e os resultados do Projeto Bruminha, relacionado a crianças.
Conforme a Fiocruz, a pesquisa é feita em duas frentes de trabalho. Uma tem foco na população com idade acima de 12 anos, chamada Saúde Brumadinho, e outra destinada às crianças de 0 a 6 anos de idade.
Ao todo, são 3.297 participantes, sendo 217 crianças, 275 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, e 2.805 adultos com mais de 18 anos. Os dados foram coletados no segundo semestre de 2021. A pandemia atrasou o começo da coleta de dados, que inicialmente estava prevista para um período mais próximo do rompimento da barragem.
As análises para identificar a dosagem de metais presentes no organismo de crianças de zero a 6 anos de idade foram feitas por meio de exames de urina. “Em todas foi detectada a presença de um dos cinco metais em avaliação (além dos já citados, cádmio e mercúrio). As análises também apontaram que 50,6% das amostras urinárias apresentaram pelo menos um metal acima do valor de referência. O arsênio foi encontrado acima do valor de referência em 41,9% das amostras analisadas e o chumbo em 13% delas”, informou a Fiocruz.
A referência a problemas respiratórios chamou a atenção dos pesquisadores. As respostas mais frequentes dadas por adolescentes no estudo indicavam já terem recebido diagnósticos médicos de asma ou bronquite asmática. Essas doenças crônicas foram mencionadas por 12,3% dos adolescentes.
“O percentual é maior entre os moradores de algumas regiões, chegando a 23,8% entre os residentes do Parque da Cachoeira e 17,1% entre os que vivem no Córrego do Feijão, regiões diretamente expostas ao rompimento da barragem de rejeitos. Pneumonia foi citada por 10,9% dos adolescentes, mas, entre aqueles que moram no Pires, região banhada pelo Rio Paraopeba, que foi atingido pela lama, o percentual foi de 16,7%”, segundo a pesquisa.
Entre os adultos, as doenças crônicas mais citadas após diagnóstico médico, com pequenas variações entre as regiões, foram hipertensão (30,1%), colesterol alto (23,1%) e problema crônico de coluna (21,1%). O diabetes foi prevalente em 9,8% nesta parcela da população.
De acordo com a Fiocruz, o resultado mostra estimativas maiores que as encontradas na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), feita pelo IBGE em 2019, que analisou a população do país com 18 anos ou mais e verificou hipertensão em 23,9% dos brasileiros, colesterol alto em 14,6% e diabetes em 7,7%.
Nas crianças, 49% dos responsáveis notaram alterações na saúde dos filhos após o desastre da barragem. Os principais problemas de saúde se referem ao sistema respiratório e alterações na pele. “O relato de alergia respiratória em Parque da Cachoeira, localidade diretamente atingida pelo desastre, foi quatro vezes mais frequente do que os referidos em Aranha, região mais distante da área atingida. Nas localidades com maior exposição a poeiras da mineração, Parque da Cachoeira e Tejuco, os relatos de infecção da pele foram três vezes mais frequentes do que em Aranha”, segundo o estudo.
Os pesquisadores recomendaram o monitoramento de fatores de risco para doenças cardiovasculares, como o acompanhamento de doenças respiratórias, a disponibilidade de serviço de suporte à saúde mental, ações de promoção da saúde e a adequação dos serviços de saúde.
Para o coordenador-geral da pesquisa, pesquisador da Fiocruz Minas Sérgio Peixoto, os resultados sobre o diagnóstico médico de doenças crônicas, além dos sinais e sintomas, que apareceram em carga elevada na população de Brumadinho, podem impactar a demanda por serviços de saúde.
“É importante que se tenham ações para acompanhamento dos fatores de risco cardiovascular e doenças respiratórias, além de ações de promoção da saúde. Os resultados também mostram a necessidade de ter um olhar mais atento para as regiões com maiores percentuais dessas questões de saúde, que podem estar relacionadas às condições ambientais, como água e ar, e que precisam ser mais investigadas. É importante o monitoramento da saúde dessa população porque há uma dinâmica. No início do trabalho o problema principal era a lama, depois, a poeira, mais para frente será outra questão”, relatou.
Segundo o coordenador, em agosto os pesquisadores voltarão a visitar as pessoas que estão sendo acompanhadas para novos exames. “Hoje temos uma foto, depois teremos um filme, conforme o estudo se desenvolver. A pesquisa mostra que não é só uma questão de organizar a assistência. É preciso pensar a saúde de forma ampla e ter ações de promoção da saúde”, informou.
De acordo com a pesquisadora Carmen Froés, coordenadora do projeto Bruminha, o período mais vulnerável para o desenvolvimento da criança é até os 4 anos, uma razão para ter atenção para as condições dos locais onde elas moram. “Se o ambiente onde esta criança está se desenvolvendo estiver contaminado é preciso atenção, por isso adotamos metodologias diferentes para estudar esse público”, observou.
Segundo a pesquisadora, a presença de metal na urina das crianças não significa necessariamente que ela vai desenvolver alguma doença ou estar com intoxicação, mas os responsáveis precisam levá-las a uma unidade de saúde para uma avaliação clínica. “Não adianta só identificar que há exposição aos metais, é necessário identificar a fonte de exposição. A maioria das crianças que apresentou níveis de arsênio acima do valor de referência usava água de poços ou outras fontes do tipo, não eram famílias que usavam água mineral”, completou.
Sobre as condições de saúde mental, os diagnósticos médicos mostraram que, nos adultos, o percentual mais alto (22,5%) foi para depressão, número acima dos 10,2% relatados pela população adulta brasileira durante a PNS de 2019. A ansiedade ou problemas do sono foram relatados por 33,4% dos entrevistados com mais de 18 anos de idade. Já entre os adolescentes, 10,4% informaram ter diagnóstico médico de depressão e 20,1% de ansiedade.
“A aplicação das escalas no público com mais de 18 anos mostrou que 29,4% apresentavam episódio depressivo e 19,2% transtorno de ansiedade. Entre os adolescentes, a aplicação das escalas mostrou prevalências de 28,2% para episódio depressivo e 15,6% para transtorno de ansiedade”, indicou a pesquisa.
Como o trabalho também vai analisar as mudanças ocorridas nessas condições ao longo do tempo, os participantes serão acompanhados a cada ano. A primeira etapa, recém-concluída, teve início em julho de 2021. Outras três já estão previstas para 2022, 2023 e 2024.
A Fiocruz informou que o Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho é financiado pelo Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde (Decit/SCTIE/MS).
Quem quiser ver os relatórios completos dos projetos Saúde Brumadinho e Bruminha, com todas as análises realizadas, pode acessar o site da pesquisa.
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