Mortes pela polícia caem no Brasil pela primeira vez em oito anos
Foram 6.145 pessoas mortas no ano passado por intervenções de policiais civis e militares da ativa, em serviço ou fora dele.
FOLHAPRESS) – O Brasil registrou em 2021 queda na letalidade policial pela primeira vez desde 2013, ano em que a série histórica teve início. Foram 6.145 pessoas mortas no ano passado por intervenções de policiais civis e militares da ativa, em serviço ou fora dele.
É uma queda de 4% em relação ao ano anterior, quando 6.413 pessoas morreram por ação de agentes do Estado. O levantamento faz parte do 16º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta terça-feira (28), e não inclui mortes causadas por agentes federais.
Enquanto a taxa de pessoas negras mortas pela polícia cresceu 5,8%, na população branca esse índice caiu quase 31%.
Dezesseis unidades da Federação viram suas taxas de letalidade policial caírem entre 2020 e 2021, sendo que uma das quedas mais expressivas foi registrada em São Paulo (30%), onde policiais passaram a usar câmeras acopladas aos uniformes desde o ano passado.
Pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Dennis Pacheco diz que o estado -que era um dos epicentros da letalidade policial no Brasil- implementou um conjunto de medidas que ajudaram a diminuir a letalidade, como as câmeras.
No entanto, o pesquisador ressalta que, proporcionalmente, a polícia do Brasil continua matando muito. “A proporção de MVI (mortes violentas intencionais) causadas pela polícia é alta e acima do valor convencionado como limite democrático”, explica o pesquisador.
Segundo ele, os especialistas consideram que há um uso abusivo da força quando mais de 10% das MVI de um país são causadas por ação policial. “No Brasil, em 2020, esse valor era de 12,8%. Em 2021, foi de 12,9%.”
Segundo o anuário, 11 estados apresentaram alta na letalidade policial no último ano. No Rio de Janeiro, houve aumento de 8% nas mortes por intervenção policial.
Em 2020, o estado havia reduzido esse número em 30%. Isso aconteceu após o STF (Supremo Tribunal Federal) restringir o número de operações durante a pandemia.
A decisão foi tomada como parte da chamada ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) das favelas. Apesar disso, as comunidades voltaram a ser cenário de operações que deixaram grande número de mortos, como ocorreu no Jacarezinho, onde 28 pessoas perderam a vida em maio do ano passado durante uma ação policial.
“A ADPF conseguiu conter por um tempo a letalidade policial, mas não teve um efeito duradouro. O aumento voltou a acontecer pelo desrespeito à ADPF”, explica Pacheco.
No Rio, em 2021, foram 7,8 mortes por 100 mil habitantes. No ano anterior, essa taxa era de 7,2. Já em São Paulo, era 1,8 morte por 100 mil habitantes em 2020, número que caiu para 1,2.
Em nota, a Polícia Militar fluminense afirma que houve queda de 22% nas mortes por intervenção de policiais na comparação entre janeiro e maio de 2021 e 2022, segundo o ISP (Instituto de Segurança Pública).
A corporação diz também que já pôs em operação 2.790 câmeras individuais, “numa iniciativa que visa proporcionar total transparência às ações policiais”.
Proporcionalmente, o Amapá tem a polícia mais violenta do Brasil, com uma taxa de 17 mortes por 100 mil habitantes. É quase seis vezes a média nacional, de 2,9 mortes por 100 mil habitantes.
O Amapá diz que reestruturou, a partir de 2015, o sistema de segurança pública do estado, investindo mais de R$ 290 milhões. Com esse aporte, diz ter conseguido diminuir em 18% as mortes por intervenção de agentes do Estado de janeiro a maio de 2022 em comparação ao mesmo período de 2021.
O segundo no ranking é Sergipe, com 9 mortes por 100 mil habitantes. Em maio deste ano, Genivaldo de Jesus Santos, 38, morreu em Umbaúba (no interior do estado) após ser asfixiado em uma ação da PRF (Polícia Rodoviária Federal). O estado não respondeu ao pedido de resposta até o fechamento desta reportagem.
Embora o anuário não inclua mortes provocadas por agentes da PRF, o caso de Genivaldo joga luz sobre o perfil de quem morre por ação da polícia: são majoritariamente homens negros, assim como Genivaldo. De acordo com o estudo, 99% das vítimas eram homens e 84%, negros.
De acordo com o fórum, a classificação étnico-racial é feita pela perícia ou por informações de profissionais que fizeram o registro de ocorrência do crime. A entidade consegue esses dados por meio das secretarias de segurança dos estados.
Ainda segundo o anuário, quase 5 em cada 100 mil negros foram mortos pelas polícias em 2021. Entre a população branca, de cada 100 mil, 1 foi morto no mesmo período.
Para Pacheco, esse cenário é consequência do racismo no país. “Nós temos socialmente essa perspectiva de que jovens negros pobres das periferias seriam encarnações de perigo, de improdutividade e do que é indesejado”, diz o pesquisador. “Esses estereótipos criam uma demanda social por vigilância, punição e por aprisionamento de pessoas negras.”
Tânia de Brito, 41, diz que o racismo contribuiu para a morte de seu filho. Em setembro de 2019, Juan Ferreira dos Santos morreu com um tiro na cabeça aos 14 anos durante uma ação da Polícia Militar no bairro Vicente Pinzón, periferia de Fortaleza, no Ceará.
A dona de casa diz que o adolescente estava em uma praça onde acontecia uma apresentação de bregafunk quando policiais militares teriam entrado no local para dispensar o público.
Segundo ela, Juan correu junto com amigos, mas acabou sendo baleado. “Meu filho saiu de casa, me pediu a bênção e voltou dentro de um caixão.”
Brito conta que o adolescente recebia frequentes abordagens policiais, tanto na praia quanto na rua onde morava. De acordo com ela, um agente já teria dito a Juan que o estudante não havia morrido por pouco. O motivo era o fato de ele estar na garupa de uma moto, sugerindo que o jovem teria sido confundido com um bandido.
“Aqui, em Fortaleza, como em qualquer lugar do Brasil, a gente está vulnerável à violência policial, principalmente em se tratando de preto. Quando se é preto e da periferia, somos vistos como bandidos.”
Ela diz ainda que o inquérito policial que apura o caso ainda não foi concluído e que o agente que desferiu o tiro chegou a ser preso, mas foi solto cerca de um mês depois.
Em nota, a Polícia Militar cearense afirma que os agentes participam de disciplinas para atendimentos humanizados.
A PM diz ainda que o estado tem uma corregedoria que trabalha de forma independente para investigar eventuais desvios de condutas. A corporação não respondeu, porém, sobre o caso de Juan até o fechamento deste texto.
“O que me mantém viva é a busca de justiça não só pelo Juan, mas por outras vítimas”, diz Brito, que integra o coletivo Mães da Periferia, iniciativa que reúne mulheres que perderam filhos em ações da polícia. “A gente luta para que outras mães não passem por essa dor.”