Anvisa aprova kit para diagnóstico molecular da doença de Chagas feito pela Fiocruz
Desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz, o produto é uma espécie de teste rápido para identificar o Trypanosoma cruzi, parasito que causa a enfermidade.
MÔNICA BERGAMO (FOLHAPRESS) – A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) concedeu nesta segunda-feira (20) o registro para o primeiro kit de diagnóstico molecular da doença de Chagas do país. Desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz, o produto é uma espécie de teste rápido para identificar o Trypanosoma cruzi, parasito que causa a enfermidade.
Por ter alta sensibilidade, o kit detecta o protozoário ainda que a sua presença em um organismo seja baixa ou até mesmo a partir de um fragmento. Como a maior parte dos infectados são assintomáticos, o mecanismo pode viabilizar mais diagnósticos e impedir o desenvolvimento da doença em suas formas graves.
Segundo a chefe do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do Instituto Oswaldo Cruz, Constança Britto, que liderou o projeto ao lado do pesquisador Otacílio Moreira, cerca de 80% das pessoas afetadas pela doença não têm acesso ao diagnóstico ou tratamento.
“A doença de Chagas é uma doença negligenciada. Não tem investimento em vacina por atingir uma população mais vulnerável. Na América da Sul, ela está associada a condições de vida de vulnerabilidade e pode perpetuar a pobreza”, afirma Britto.
Atualmente, a doença de Chagas é mais facilmente identificada em sua fase aguda, quando os parasitos se multiplicam. Mas, considerando que cerca de 70% dos casos são assintomáticos, os 30% que apresentam sintomas podem se encontrar em um estágio sem ponto de retorno com o diagnóstico tardio. “O parasita forma ninhos no tecido do músculo cardíaco”, explica a pesquisadora.
A doença de Chagas ainda pode afetar o sistema digestivo e até mesmo a parte neurológica do corpo humano, requerendo intervenção cirúrgica.
“A maioria dos nossos pacientes brasileiros são crônicos [que convivem há muito tempo com a doença]. Como não sentem nada e não têm diagnostico, são considerados pacientes crônicos. E quando é tratado, recebem uma droga antiga que não cura. Pode diminuir o número de parasitos, mas não vai ficar curado”, diz Britto.
“Os medicamentos, de 1970, são eficazes quando se detecta precocemente a doença. Se a pessoa é diagnosticada logo e é tratada, a chance de cura é de 100%”, segue.
É neste ponto que reside a importância do Kit NAT Chagas, como foi nomeado o exame desenvolvido pela Fiocruz. Se distribuído em regiões onde a enfermidade apresenta maior incidência, mais brasileiros poderiam receber o tratamento mais cedo.
“O problema todo [atualmente] é você diagnosticar mais de 80% dos pacientes que são crônicos e estão desatendidos, morando em lugares em que não têm acesso ao posto de saúde”, afirma Britto.
Outra inovação trazida com a novidade está na sua origem nacional, que acaba com a necessidade de importar insumos e barateia o processo de testagem.
O exame mais difundido para a detecção da doença de Chagas hoje em dia consiste em um teste do tipo PCR, que busca o material genético do patógeno a partir de uma amostra de sangue.
Com a ferramenta molecular desenvolvida pela Fiocruz, será possível não só ter uma resposta mais rápida -entre quatro e cinco horas após a coleta da amostra- e mais apurada, mas também acompanhar a carga parasitária ao longo de um tratamento.
Atualmente, a transmissão mais recorrente da doença de Chagas se dá por via oral, quando uma pessoa consome algum alimento infectado com partes do barbeiro, seu vetor, ou com seus excrementos.
“A pessoa tem um pé de açaí no quintal. Ela coleta os frutos, coloca numa paineira, limpa com água e deixa sob a luz para secar o fruto. No dia seguinte, pega aquele produto já seco e bate no liquidificador para tomar suco. Se o barbeiro cai no meio do açaí -ele não é um bicho que se move muito-, no dia seguinte a pessoa vai tomar caldo de Trypanosoma cruzi”, exemplifica Britto.
Constança Britto ainda relembra quando turistas italianos contraíram a doença ao tomar caldo de cana durante uma viagem a Santa Catarina, em 2005. Mortes foram registradas na ocasião.
Segundo a chefe do Laboratório de Biologia Molecular e Doenças Endêmicas do Instituto Oswaldo Cruz, a infecção por via oral acarreta em sintomas ainda mais agressivos do que quando alguém é picado por um barbeiro, forma mais clássica de transmissão. “É uma coisa radicalmente nova e as pessoas não estão tomando o cuidado devido”, alerta.
Entre 2007 e 2019, o Brasil registrou, em média, cerca de 200 novos casos de doença aguda de Chagas por ano. “Geralmente, pelo surto oral”, diz a pesquisadora.
O kit molecular foi desenvolvido em parceria com o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), ligado à Fiocruz, e com o governo paranaense.
O registro na Anvisa é uma exigência para que o exame possa ser incorporado ao SUS (Sistema Único de Saúde). A adoção da metodologia ainda depende da avaliação de custo e benefício pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e de decisão final do Ministério da Saúde.
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