Holanda diz ter deportado espião russo que se passava por cidadão brasileiro
A inteligência holandesa divulgou documentos com a história apresentada pelo suposto espião.
O homem, identificado como Serguei Vladimirovitch Tcherkasov, trabalharia para o GRU, unidade de inteligência militar da Defesa russa, e teria se passado por Viktor Muller Ferreira para entrar em território holandês. O episódio ocorreu em abril, mas só foi divulgado publicamente agora, num comunicado oficial.
A inteligência holandesa divulgou documentos com a história apresentada pelo suposto espião. Ele dizia ter nascido em 4 de abril de 1989 em Niterói, no Rio de Janeiro, e descrevia uma saga pessoal com diversos episódios de dificuldades financeiras e abandono paterno.
No documento, cheio de tarjas pretas que escondem parte do conteúdo, o homem conta ter vivido anos no exterior, com uma tia, depois de a mãe dele morrer devido a uma pneumonia. Ele não seria fluente em português, o que se nota pelos seguidos erros gramaticais, e o espanhol seria uma de suas línguas.
O órgão afirma que o homem foi deportado para o Brasil e que o caso foi considerado uma ameaça à segurança nacional. A Folha procurou o Itamaraty, que não respondeu até a publicação deste texto.
“Se o oficial da inteligência tivesse obtido acesso ao TPI, ele poderia reunir informações e recrutar fontes; teria sido capaz de influenciar processos criminais”, diz um trecho do comunicado. “Por se apresentarem como estrangeiros, eles [espiões] têm acesso a informações que seriam inacessíveis a um cidadão russo.”
À agência de notícias Reuters o chefe da inteligência holandesa, Erik Akerboom, disse que a ameaça foi classificada de alto nível e revela o modus operandi russo. “Isso nos mostra claramente o que os russos estão fazendo –tentando obter acesso ilegal a informações dentro do TPI.”
No material tornado público, o homem afirma que foi abandonado pelo pai, que viveu a maior parte do tempo fora do país. Ele foi, então, criado pela mãe, que fazia apresentações musicais. Quando ela ficou doente, uma tia que também não morava no Brasil veio buscá-lo.
Entre outros episódios, ele descreve uma crise financeira no ano de 2001 que fez com que a situação da família se agravasse ainda mais. Menciona, ainda, aulas de espanhol na escola e episódios em que tomava chimarrão. Quando ainda estava no Brasil, diz se recordar da ponte Presidente Costa e Silva, conhecida como ponte Rio-Niterói, e diz que por isso o cheiro de peixe não o agrada.
Afirma ainda ter obtido o bacharelado na área de ciências humanas e cogitado trabalhar como jornalista ou comentarista político. Após a morte da tia, procurou o pai no Rio de Janeiro e, apesar de conseguir contato, frustrou-se com a conversa que tiveram.
Dali, diz ter ido para Brasília, onde “em paralelo com a restauração da cidadania”, teve aulas particulares de português. Sobre a capital, ele lista lugares que gostava de frequentar, como o restaurante A Tribo –que, de fato, existe. “Esse restaurante faz a melhor feijoada da cidade.”
A inteligência holandesa diz que o documento provavelmente foi redigido em 2010 pelo próprio Tcherkasov, para que ele memorizasse a versão, que mescla fatos com impressões criadas sobre os lugares. “Esta foi uma operação da GRU de longo prazo que custou muito tempo, energia e dinheiro”, disse Erik Akerboom à Reuters