Botão anti-fake no Twitter gera temor de ações orquestradas nas eleições
O botão ficou disponível no Brasil, ainda em fase de testes, após pressão de usuários e questionamentos feitos pelo MPF (Ministério Público Federal) à plataforma em um inquérito civil
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Advogados especializados em direito eleitoral e digital veem com ressalvas a implementação de um botão para denúncia de desinformação no Twitter e alertam para o risco de ações orquestradas com o objetivo de derrubar conteúdo de adversários.
Há quem elogie a ferramenta, porém, e aponte que contribuirá para combate a notícias falsas relacionadas a temas como a pandemia da Covid-19.
O botão ficou disponível no Brasil, ainda em fase de testes, após pressão de usuários e questionamentos feitos pelo MPF (Ministério Público Federal) à plataforma em um inquérito civil.
Também foram incluídos Espanha e Filipinas no experimento, que já é realizado em outros países desde 2021. Segundo o Twitter, as eleições de 2022 pesaram para implementar logo a medida no Brasil.
Procurado, o Twitter diz que o conteúdo denunciado passará por uma triagem de avaliação mista entre humanos e inteligência artificial, mas que haverá revisão humana antes de medidas serem tomadas.
Ainda assim, as incertezas a respeito de quais conteúdos serão restringidos ou retirados do ar e como serão filtradas as denúncias ligaram o alerta de advogados.
Um dos que apontam a possibilidade de problemas oriundos da ferramenta é Diogo Rais, cofundador do Instituto Liberdade Digital e membro da Abradep (Academia de Direito Eleitoral e Político).
Para Rais, o experimento é arriscado em uma “eleição que já tem problema demais para enfrentar”. Ele teme a derrubada de conteúdos com grande volume de denúncias.
O advogado aponta que até diferenças culturais regionais, como expressões linguísticas locais, podem ser mal interpretadas pelos mecanismos de identificação de desinformação.
“Seria facilmente pensável que durante uma campanha grupos adversários poderiam denunciar conteúdos de adversários apenas com o intuito de afastar esses conteúdos”, diz Rais.
Segundo ele, ainda não houve uma solução eficiente no mundo para a desinformação em redes sociais, apesar das diversas tentativas, e “não há nenhum indício de que o mecanismo do Twitter será eficiente”.
“É necessário buscar evolução e tentar [combater fake news], mas a minha preocupação é fazê-lo em teste numa eleição tão grande e sensível”, afirma.
Outros advogados também temem a possibilidade de interferência em conteúdo eleitoral por meio da nova ferramenta.
“Acho uma temeridade esse mecanismo de denúncia de fake news. Certamente será usado sem qualquer controle, gerando mais dúvida do que solução”, diz Alexandre Fidalgo, especialista em direito eleitoral e em casos que envolvem liberdade de expressão.
Caroline Kersting, que atua no direito digital, afirma que a atualização da rede social, apesar de vista como positiva, “preocupa, uma vez que estamos em ano eleitoral no Brasil e, infelizmente, é comum a utilização estratégica da força da internet para retirar do ar, de forma injusta, os perfis de adversários”.
“Somado a isso, o Twitter não informou quais serão os critérios para identificar o que efetivamente é um conteúdo enganoso ou não, o que contribui para a insegurança do usuário que é alvo potencial de denúncias”, afirma.
Criminalista especializado em LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), André Damiani também defende critérios objetivos para identificação de conteúdos enganosos, com ampla divulgação aos usuários.
“Mesmo sendo otimistas, é inevitável pensar que a atualização pode vir a se tornar perigosa ferramenta ativista para a prática de crime contra a liberdade, utilizando-a para ataques massificados”, diz.
Dois outros advogados ouvidos pela reportagem, Danyelle Galvão e Renato Ribeiro, elogiam a medida, mas dizem que será necessário que efetivamente existam mecanismos de checagem dos conteúdos antes que haja sanções.
Não há apenas ressalvas, no entanto. Outros três advogados, Wilson Belchior, Leonardo Avelar e Gabriela Rollemberg têm uma visão predominantemente positiva da ferramenta e acham que a funcionalidade irá diminuir o risco de desvirtuamento do sistema eleitoral.
“É uma postura muito adequada, considerando a responsabilidade social que a empresa tem de garantir minimamente que o conteúdo veiculado não contemple a disseminação de desinformação, podendo causar impactos negativos em relação à nossa eleição”, afirma Rollemberg.
“Existe uma dupla verificação. Tem a denúncia e tem a análise da plataforma”, acrescenta.
O Twitter, em nota à Folha de S.Paulo, afirma que não terá como critério o número de denúncias que um conteúdo receberá, mas conteúdos que violam a sua política.
“Nesta fase do experimento, não analisaremos cada denúncia recebida. Usaremos uma combinação de avaliação humana e automação para destacar as denúncias que atendem aos nossos critérios para avaliação”, diz a empresa.
“Após essa triagem, os conteúdos denunciados terão revisão humana, por nossos times, antes de uma tomada de medida”, afirma.
Segundo o Twitter, os critérios usados para definir quais denúncias serão avaliadas “podem mudar ou evoluir conforme nós aprendemos e identificamos tendências e padrões relacionados a desinformação”.
“Alguns exemplos dos sinais que podemos considerar incluem tuítes com potencial de grande visibilidade, bem como o assunto do tuíte”, diz.
Em seu blog, a rede social já havia informado que o experimento no Brasil e nos outros países tem sido feito para melhorar a filtragem e priorização de denúncias, antes de disponibilizar a ferramenta mundialmente.
O Twitter afirma que é bem-sucedido em melhorar a taxa de tomada de medidas em relação ao volume de denúncias referentes a questões de segurança, por exemplo, com base no aprendizado de uma máquina capaz de estimar a probabilidade de haver violações às suas regras.
No ano passado, o MPF em São Paulo abriu um inquérito civil para apurar eventuais violações de direitos fundamentais nas redes sociais.
Em novembro, o procurador da República Yuri Corrêa da Luz questionou o Twitter quais as providências que havia tomado para detectar e mitigar práticas organizadas de produção e circulação de conteúdo de desinformação.
Em 6 de janeiro, em novo ofício, perguntou à plataforma por que não havia disponibilização de uma via de denúncia de conteúdos desinformativos envolvendo, especificamente, a pandemia.
O procurador queria saber por que os usuários de países como os Estados Unidos já tinham a opção de fazer essas denúncias, mas não os brasileiros. O botão de denúncia do Twitter foi anunciado pouco depois, no dia 17 deste mês.