Justiça de SP condena Ministério Público por má-fé e manda indenizar réus
O Ministério Público teria proposto, sem provas, uma ação de improbidade administrativa contra funcionários do Hospital das Clínicas
Esses valores serão pagos pelos cofres públicos, do contribuinte paulista, caso a decisão seja mantida pelos tribunais. Como se trata de sentença de primeira instância, ainda cabe recurso. Procurado, o Ministério Público informou ter recorrido da decisão (leia abaixo).
Em sua sentença, o juiz da 3ª Vara da Fazenda Pública, Luis Manuel Fonseca Pires, afirma que a Promotoria, para apontar o ato improbo, limitou-se a comparar preços de compras feitas em 2019 e 2020, mas não considerou os aumentos de um ano para o outro em razão da pandemia da Covid-19.
A Promotoria também teria ignorado os alertas de regularidade dos contratos.
“O Ministério Público não pode eleger uma ficção (ignorar a pandemia) e acusar por improbidade todos aqueles que não se encaixam neste seu universo paralelo. Por ter agido assim, é preciso reconhecer que houve má-fé processual”, diz trecho da sentença publicada no final de 2021.
A ação refutada pela Justiça de primeira instância foi movida pelo promotor Ricardo Manuel Castro, da Promotoria do Patrimônio Público, em maio de 2021. Em resumo, ele acusou o HC, os funcionários e uma empresa (Air Liquide Brasil), de terem participado de uma compra superfaturada.
Entre os réus está o superintendente do HC, Antônio José Rodrigues Pereira.
De acordo com a ação da Promotoria, a cúpula do HC firmou um contrato emergencial para aquisição de mistura medicinal de óxido nítrico balanceado com nitrogênio em 2020, por R$ 580,00 por metro cúbico, sendo que ela mesma havia firmado o mesmo objeto ao preço de R$ 188,67 por metro cúbico, em abril de 2019.
Para o Ministério Público, essa compra gerou um prejuízo aos cofres públicos acima de R$ 1,3 milhão. De acordo com o magistrado, porém, em nenhum momento o promotor fez uma ponderação entre os dois períodos dos contratos, um deles antes e outro em plena pandemia.
Até porque o produto adquirido pelo HC foi utilizado para o tratamento de insuficiência respiratória de pacientes vítimas do coronavírus.
“Sem explicação alguma, a petição inicial ignora quase por completo um evento de repercussão mundial que se inscreveu na história da humanidade…”, diz trecho da sentença.
“O súbito e inesperado aumento da demanda de oxigênio e outros insumos de saúde em escala exponencial por todo o mundo são absolutamente ignorados.”
Ainda de acordo com o magistrado, o Ministério Público não apresentou nenhum argumento para demonstrar que o produto específico não teve variação de mercado e, assim, fugiu do que aconteceu com todo os insumos médicos.
“E mais, apesar do ônus do Ministério Público de ter que provar e contextualizar porque não haveria de disparar o valor do m³ de um insumo necessário à mitigação do sofrimento de pacientes do Coronavírus, limitou-se a dizer que ‘(…) não tem interesse na produção de novas provas'”, disse o juiz.
A sentença também aponta que, ao contrário do Ministério Público, o mesmo contrato de compra havia sido analisado pelo Tribunal de Contas do Estado, que havia reconhecido, por unanimidade, a legitimidade do processo porque contextualizou os valores com o período de pandemia.
“Nesse quadro é também preciso realçar, como fez a defesa do Hospital das Clínicas, que nem mesmo as diligências realizadas pela administração do hospital na tentativa de aquisição do insumo em preço mais baixo foram consideradas pelo órgão de acusação”, diz o magistrado.
Procurado, o promotor Ricardo Manuel Castro não quis se manifestar sobre a sentença. Por meio de nota, o Ministério Público informou que entrou com recurso contra a decisão.
O recurso é assinado por outro promotor, André Pascoal da Silva. Nele, a Promotoria pede que o pedido seja procedente contra os réus e, por outro lado, seja afastada “a condenação do Ministério Público a litigância de má-fé e ao pagamento de custas processuais”.
Entre os motivos sustentados pelo promotor é que a ação foi proposta com base nos elementos “colhidos durante a instrução do inquérito civil”, que ajudaram a formar a convicção do membro do Ministério Público sobre necessidade de propositura de ação de improbidade administrativa, “tendo atuado, portanto, no exercício de sua função institucional”.
“A litigância de má-fé é o exercício de forma abusiva de direitos processuais, percebe-se, assim, que não basta ter ocorrido algum dos itens descritos no art. 80. É essencial que aquele ato processual tenha sido praticado com intenção de gerar qualquer tipo de prejuízo à outra parte”, diz trecho do recurso.