Grupos repudiam proposta do Ministério da Saúde de tratar autistas com eletrochoque
O método usa uma corrente elétrica a fim de produzir uma convulsão generalizada a fim de controlar o comportamento do paciente
O órgão, vinculado ao Ministério da Saúde, abriu a sondagem neste mês e indicou sua recomendação favorável ao procedimento. Procurada pelo UOL, a pasta não havia se manifestado sobre a nota de protesto até a última atualização desta reportagem
A Conitec, defende o uso de eletroconvulsoterapia (ETC) para tratar comportamentos agressivos de pacientes do espectro autista (TEA) no Brasil. O método usa uma corrente elétrica a fim de produzir uma convulsão generalizada a fim de controlar o comportamento do paciente.
Mas, segundo as entidades signatárias da nota de repúdio, o método, além de arcaico, o uso desse tipo de procedimento viola a convenção dos direitos humanos e é considerado como tortura pela própria ONU (Organização das Nações Unidas).
“As referências bibliográficas apresentadas no protocolo do Ministério da Saúde apontam para as situações de catatonia (caso em que psiquiatria argumenta que há evidências científicas para o seu uso) e estudos de valor científico precário. Das 17 citações para fundamentar o procedimento, nenhuma delas se dirige à questão central do documento que é o comportamento agressivo”, afirmam as entidades.
Embora apontada como recurso para tratamento de pacientes com depressão grave, a eletroconvulsoterapia no passado foi associada a torturas em pacientes e abusos cometidos por profissionais de hospitais psiquiátricos.
Em 2013, um relatório da ONU apontou que o uso do tratamento com choque para controlar o comportamento de pacientes violava a convenção da ONU contra a tortura.
No ano passado, a FDA, órgão equivalente à Anvisa nos Estados Unidos, proibiu a prática em pessoas que possam ser agressivas ou que ofereçam perigo de se machucar. A FDA justificou que o método expõe os pacientes a “risco irracional e substancial de doença ou lesão”.
O QUE INSPIROU A CONSULTA
Baseado num relatório intitulado “Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas do comportamento agressivo no transtorno do espectro do Autismo”, o relatório da Conitec, publicado em novembro, afirma que os resultados do procedimento “têm sido promissores”.
Na avaliação da comissão, a avaliação é fruto de “cobertura midiática” e “indicação” inadequadas ocorridas anteriormente.
“O uso da ECT da psiquiatria e neurologia declinou de maneira significativa na década de 1970 e se deu por diversos motivos: o avanço das terapias farmacológicas, uma cobertura midiática inadequada durante a luta antimanicomial e relatos de pacientes que foram submetidos a essa técnica sem indicação adequada ou até de maneira punitiva, todos esses fatores estigmatizaram o uso da ECT”, diz o texto do órgão do governo.
De acordo com o texto, as técnicas atuais permitiriam que o método fosse aplicado de forma segura.
“Atualmente, a técnica empregada utiliza aparelhos mais modernos, permitindo uma regulação mais adequada da carga, a possibilidade de controlar o comprimento de onda utilizada e a frequência do disparo da corrente elétrica. Além disso, para conforto e segurança do paciente, são empregados anestésicos, bloqueadores musculares e fármacos que evitam os efeitos vagais do procedimento”.
Segundo as entidades contrárias, a versão do documento submetido à consulta pública faz uso de uma definição vaga e contestável do que são comportamentos agressivos. “Há estreita relação desses comportamentos com o meio, com as barreiras e com a falta de acesso a apoio e a outros direitos fundamentais, o que é frequentemente ignorado”, dizem os signatários.
“Por essa razão, urge a necessidade de uma mudança de paradigma no que se refere ao acesso à saúde e à habilitação e à reabilitação: o capacitismo e a falta de acessibilidade não podem ser combatidos com intervenções médicas”, dizem as entidades contrárias à consulta pública.
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS
Ao Estadão, o pediatra e neurologista infantil Clay Brites, do Instituto NeuroSaber, afirma que pessoas autistas precisam de atendimento de qualidade no sistema público e que a eletroconvulsoterapia é um “retrocesso”.
“Trata-se de uma política de saúde equivocada porque o autismo não pode ser encarado como um processo no qual essa terapia vai resolver todos os problemas. A liberação em centros específicos ou generalizados do SUS é temerária.
Antes dessa preocupação, o SUS deveria buscar o atendimento correto, multidisciplinar, aplicado de maneira ampla, com as famílias, e melhorando o acesso aos pacientes que mais precisam”, diz Brites.
Para Rosana Onocko, da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), o estímulo à compra desse tipo de aparelho preocupa não pela eficácia ou não em alguns casos, mas devido ao risco de uso sem controle.
“Uma vez que o SUS já dispõe disso [em alguns hospitais, mas sem financiamento federal], isso levanta a suspeita sobre a quem interessa essas compras”, afirmou Rosa à Folha.
Na avaliação do psiquiatra Leon Garcia, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, a medida deveria ser precedida de estudos.
“Com o histórico da eletroconvulsoterapia no Brasil, qualquer passo na direção do financiamento deveria ser precedido de forte regulação e estrutura de fiscalização, porque o histórico é muito negativo”, diz, relembrando os casos de mau uso desse tipo de terapia no passado. “Começar já com o financiamento de aparelhos me parece a pior maneira.”
Quem assina a nota de protesto contra a Conitec
Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas – Abraça
Associação Brasileira de Saúde Mental – Abrasme
Movimento Vidas Negras com Deficiência Importa – VDNI
Conselho Federal de Psicologia – CFP
Movimento Psiquiatria, Democracia e Cuidado em Liberdade
Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental – NUPPSAM
Instituto Lagarta
Laboratório Interunidades de Teoria Social, Filosofia e Psicanálise – LATESFIP USP
Despatologiza
Instituto Viva Infância
Movimento Down
Eu Me Protejo
Inclusive – Inclusão e Cidadania
Frente Nacional das Mulheres com Deficiência
Mandato do Senador Paulo Paim (PT/RS)
Mandato da Vereadora Laura Durigon Ajala(PCdoB/Cruz Alta-RS)
ONG Construindo Igualdade/RS
IDAI- Instituto Direito, Acessibilidade e Inclusão
Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down
AUSSMPE- Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Pelotas RS
RadioCom 104.5 FM – Pelotas-RS
Associação Arte e Cultura Nau da Liberdade RS
AMAR – Associação Amigos dos Autistas de Registro
Programa Gente Como a gente – Pelotas-RS
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil-CTB RS
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil-CTB – Nacional
Urbe – Instituto de Psicologia Social e Psicanálise
Adunisinos – Associação dos Docentes da Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – RENILA
Associação dos Usuários dos Serviços de Saúde Mental de MG -ASUSSAM/MG
Associação de Usuários e Familiares de Usuários dos Serviços de Saúde Mental de Alagoas – ASSUMA/AL
Associação de Usuários, Familiares e Amigos da Luta Antimanicomial de Palmeira dos Índios/AL – ASSUMPI/AL
Associação Loucos Por Você – Ipatinga/MG
Coletivo Baiano da Luta Antimanicomial – CBLA/BA
Fórum Cearense da Luta Antimanicomial/CE
Fórum de Saúde Mental de Maceió/AL
Fórum Gaúcho de Saúde Mental – FGSM/RS
Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba – FLAMAS/SP
Fórum Mineiro de Saúde Mental/MG
Frente Mineira Drogas e Direitos Humanos/MG
Movimento da Luta Antimanicomial/PA
Movimento Pró-Saúde Mental/DF
Núcleo de Estudos Pela Superação dos Manicômios – NESM/BA
Núcleo de Mobilização Antimanicomial do Sertão – NUMANS/PE-BA
Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial Libertando Subjetividades/PE
SinPsi-SP Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo
FENAPSI Federação Nacional dos Psicólogos
Sindifars
Coletivo Hawking de Alunos com Deficiência do Paraná
Revibra – Rede europeia de apoio às vítimas brasileiras de violência doméstica
Associação Construção
Programa de Residência Multiprofissional do IPUB-UFRJ
Nuplic (Programa de pós graduação em psicologia social PUC SP)