Morte no Carrefour: empresa de segurança firma TAC de R$ 1,8 milhões
O acordo foi costurado em negociações com a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e com ONGs
A morte de João Alberto ocorreu no dia 19 de novembro do ano passado. Ele tinha 40 anos e fazia compras na unidade do Carrefour no bairro Passo D’Areia, em Porto Alegre. Acompanhado da esposa, o trabalhador autônomo foi abordado por dois seguranças após um desentendimento com uma funcionária e conduzido até a saída do supermercado.
Ali ocorreram agressões com chutes e socos e João Alberto foi imobilizado por mais de cinco minutos. Sufocado, ele não resistiu. Posteriormente, o laudo médico confirmou a morte por asfixia. Registros de câmeras de celular fizeram o episódio ganhar visibilidade às vésperas do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro.
“O TAC tem por objetivo estabelecer medidas mínimas a serem implementadas pela empresa, em âmbito nacional e regional no Estado do Rio Grande do Sul, para fins de combate ao racismo estrutural, à discriminação e à violência, bem como da promoção da diversidade”, informou em nota a Defensoria Pública.
Segundo a instituição, as tratativas também contaram com o envolvimento do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), por meio do seu Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc).
O acordo prevê que 35% dos R$1,792 milhões seja convertido em bolsas de meio turno para o acolhimento de crianças de até cinco anos de idade junto a creches localizadas no bairro Passo D’Areia.
Além disso, 50% do montante será destinado a bolsas para estudantes que tenham ingressado na graduação através do Programa Universidade Para Todos (Prouni) em instituições de ensino superior sediadas em Porto Alegre.
Os 15% restantes serão investidos na aquisição de cestas básicas mensais para famílias compostas por pessoas negras que morem no bairro Passo D’Areia. A forma de seleção de todos os beneficiados constará em editais publicados pela Defensoria Pública.
Em nota divulgada em seu portal eletrônico, a empresa de segurança disse estar empenhada em contribuir para a conscientização da prática antirracista. “O Grupo segue mantendo o compromisso de transparência com a sociedade e seus clientes, está satisfeito em noticiar o compromisso firmado, porém, com pesar, ao rememorar o fato ocorrido em 19/11/2021, que jamais será esquecido, e servirá como exemplo do que não deve ser admitido em hipótese alguma, sendo necessária a união de todos os esforços possíveis para o enfrentamento do racismo estrutural em nossa nação, que mesmo sendo combatido há séculos, necessita de um comprometimento cada vez maior por cada um de nós”, diz o texto.
O TAC estabelece ainda alguns outros compromissos. O Grupo Vector concordou em aumentar o número de admissão de pessoas negras em 10% no primeiro ano de vigência do acordo, em 15% no segundo e no terceiro ano e em 20% no quarto e no quinto ano.
Além disso, um protocolo de treinamento deverá ser estabelecido para todos os seus dirigentes e trabalhadores em relação a atos de discriminação. O conteúdo ministrado incluirá discussões sobre direitos humanos, diversidade e combate ao racismo estrutural.
Outras medidas previstas são a realização de campanhas de combate à discriminação e a qualificação de profissionais negros. Deverá ser criada ainda uma Ouvidoria Independente, destinada ao acolhimento de denúncias envolvendo casos de violência que venham a ocorrer nas dependências onde o Grupo Vector atua.
Em junho desse ano, um outro TAC havia sido firmado com o Carrefour. O acordo também foi negociado com a Defensoria Pública, envolvendo ainda o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) e o Ministério Público do Trabalho (MPT). A sociedade civil foi representada pelo Educafro e pelo Centro Santo Dias de Direitos Humanos, assim como ocorreu nas tratativas com a empresa de segurança.
O TAC possibilitou o encerramento de duas ações movidas contra o Carrefour para cobrar reparação de dano moral coletivo. A Defensoria Pública pleiteava R$ 200 milhões, enquanto o Educafro e o Centro Santo Dias de Direitos Humanos pediram R$ 100 milhões .
O acordo fixou ao todo R$ 115 milhões para estabelecimento de ações de enfrentamento ao racismo. Foi definida a destinação de R$ 74 milhões para oferta de bolsas educacionais, R$ 16 milhões para campanhas educativas e projetos de combate ao racismo, R$ 10 milhões para medidas de inclusão, R$ 8 milhões para apoio a redes de incubadoras e aceleradoras para empreendedores negros e R$ 2 milhões para benefícios em comunidades quilombolas, entre outras medidas.
Além do TAC, o Carrefour firmou em maio acordos extrajudiciais com Milena Borges Alves, viúva de João Alfredo, e com outros oito familiares. Os valores, que envolvem indenizações individuais por danos morais e materiais, não foram revelados.
Um processo criminal tramita desde dezembro de 2020, quando a Justiça gaúcha aceitou denúncia do MPRS contra seis pessoas: três estão presos e outros três respondem em liberdade. Eles foram acusados por homicídio triplamente qualificado com dolo eventual, por motivo torpe, meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Com informações da Agência Brasil