Lotadas voltam a ocupar ruas da cidade de Campos dos Goytacazes
A farra das lotadas voltou às ruas de Campos, e agora com reforços: táxis e vans têm desvirtuado suas atividades e invadido linhas exclusivas dos ônibus, prejudicando o serviço de transporte coletivo e tumultuando o trânsito na cidade. E o avanço do transporte clandestino alimenta o círculo vicioso do problema crônico que se tornou o transporte de passageiros no município, onde a população cobra melhorias no serviço e os empresários cobram fiscalização do poder público.
De acordo com as empresas, o transporte irregular é o principal responsável pela crise no setor, juntamente com a defasagem de oito anos da tarifa, e levou a Turisguá a encerrar suas atividades no mês passado, dispensando dezenas de trabalhadores. Essa é a nona empresa de transporte coletivo a fechar as portas em Campos nos últimos anos, e hoje a cidade conta apenas com seis.
O setor, que já teve 250 ônibus circulando e empregou aproximadamente 1,5 mil trabalhadores formais, hoje tem menos de 100 coletivos rodando e o número de postos de trabalho não chega a 500. As empresas chegaram a ganhar fôlego em 2019, com a implantação do transporte alimentador, que beneficiou, ainda, a população, com o aumento no número de ônibus circulando e redução do tumulto no trânsito. Mas a invasão das lotadas e circulação irregular das vans nas linhas dos ônibus voltou a prejudicar o sistema de transporte. E a tendência, segundo as empresas, é que a situação se agrave ainda mais.
— A situação é caótica! O IMTT (Instituto Municipal de Trânsito e Transporte) não fiscaliza o transporte por van e nem as lotadas. A gente vê que há um nítido interesse da administração pública em manter esses veículos. O que era muito ruim ficou péssimo com a liberação, desde o início do ano, para as vans rodarem na área central. Piorou para as empresas, para o serviço oferecido à população e para o trânsito também. Fica pior para todo mundo — relatou o proprietário da Rogil, Gilson Menezes, que destacou, ainda, o problema da defasagem da tarifa, que não tem reajuste desde 2013, enquanto o diesel e insumos sofreram aumentos de mais de 100% nesse período.
E o caos ultrapassa os muros das empresas e os lares desses trabalhadores, já que as vans e carros não autorizados rodam pelas ruas da cidade sem disciplina de itinerários, horários ou lotação, privando os usuários do transporte coletivo de qualquer garantia do serviço, sem falar no risco aos passageiros, que não têm referências do condutor desses veículos.
— Do jeito que está não pode ficar. São poucos ônibus rodando, piorou muito nos últimos meses. E com as vans não podemos contar, porque elas passam quando querem, não tem horário e nem respeitam o itinerário. Sem falar que estão sempre lotadas. Um absurdo! — contou a vendedora Analice Manhães.
A Folha abordou diversos motoristas de van, mas nenhum aceitou dar entrevista.
Em nota, a Prefeitura de Campos informou que a fiscalização do transporte público continua atuando diariamente em diversos pontos, notificando e apreendendo para o depósito todos os tipos de veículos irregulares. “O IMTT tem notificado e removido de circulação carros fazendo lotada, táxis fazendo lotada, vans fora da linha de itinerário, ônibus com problemas, entre outras irregularidades. Para que a população fique ciente dessas ações diárias, a pasta tem postado algumas dessas fiscalizações nas redes sociais do IMTT, divulgando o número para denúncias, o WhatsApp 22 98152-1116”.
O presidente do Sindicato dos Taxistas de Campos, Marcelo Vivório, afirmou que lotada é ilegal e que o sindicato orienta a categoria que não faça transporte fora do modal autorizado. “Mas é importante o IMTT não confundir corrida compartilhada com lotada. Estamos juntamente com nosso jurídico construindo uma minuta de projeto de Lei de táxi compartilhado, que iremos discutir com a categoria, se aprovarem, iremos apresentar ao Legislativo e Executivo. O IMTT precisa utilizar a mesma intensidade para fiscalizar o transporte de passageiros em veículos particulares que estão trabalhando fora dos aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede. O IMTT não fiscaliza”, disse Vivório.
Gratuidades — Outra dificuldade apontada pelas empresas é o excesso de gratuidades e a falta de repasses dos para cobrir os custos, como determina a lei.
Sobre as gratuidades, o IMTT ressaltou que foram regulamentadas por leis federais ou municipais há alguns anos e, desde então, têm sido aplicadas sem alterações. “O IMTT tem realizado estudos e discutido formas para atender às concessionárias e aos permissionários, entendendo que vivemos um momento de dificuldade para diversos segmentos da economia, mas destaca a importância da aplicação do sistema de bilhetagem eletrônica para poder concluir as análises sobre o setor. A pasta ressalta que a gratuidade é garantida em todos os modais”.
“Vans não podem concorrer com ônibus”
“O transporte público é o maior serviço de universalização dos serviços sociais, mas acaba prejudicado pela desorganização da administração pública ao controlar o sistema”. A afirmação é do MBA em gestão de transportes e mestre em políticas públicas Felippe Da Cás.
De acordo com ele, o setor de transporte está em crise em grande parte do país, por uma série de fatores. Em Campos, a atuação do transporte clandestino, a competição do espaço pelas vans, a defasagem de tarifa e o excesso de gratuidades são os principais causadores e agravadores do problema.
— As vans deixaram de ser alimentadores, fazendo as linhas distritais, e passaram a concorrer com os ônibus. As vans não deveriam competir com os ônibus, deveriam complementar o serviço. A competição pelo espaço atrapalha a mobilidade e compromete o serviço. E manter esse sistema é antieconômico, prejudica o passageiro e a sociedade em geral. Cada um deve atuar em seu espaço, porque quando o sistema é racionalizado, todos ganham, inclusive a Prefeitura, por meio do pagamento de impostos sobre a atuação das empresas — ressaltou o especialista.
Segundo Felippe, a atuação do transporte público também influencia positivamente no trânsito da cidade e na questão ambiental. “O ônibus é mais sustentável, devido à capacidade de passageiros e ao espaço ocupado nas ruas. Isso reflete no trânsito e emissão de gases poluentes”.
O especialista destaca, entretanto, que o transporte público não consegue mais sobreviver somente da tarifa, devido ao alto custo de manutenção. “É um equívoco o fato de os passageiros pagantes financiarem o sistema. O transporte público deve ser encarado como um elo da economia e que as relações comerciais, os serviços de maneira geral são beneficiados por um sistema eficiente. Algumas soluções são a criação de taxas em que os recursos sejam direcionados ao transporte, subsídios orçamentários, receitas extra tarifárias complementares, receitas acessórias, Cide (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico) sobre os combustíveis, entre outras”.
Mudanças no sistema de transporte coletivo
Após anos de problemas no transporte coletivo, a Prefeitura de Campos anunciou a realização de licitação para setor. O primeiro processo foi realizado em 2013, mas acabou sendo retificado, depois de questionamentos no Tribunal de Constas do Estado (TCE). Em 2014, o processo, enfim, foi finalizado, com a promessa de disciplinar e melhorar o serviço oferecido à população.
As empresas ganhadoras da concorrência fizeram investimentos milionários e colocaram nas ruas cerca de 250 ônibus. A mudança agradou usuários, que passaram a ter maior regularidade no serviço, e trabalhadores do setor, que voltaram a ter estabilidade. Mas, apesar da cláusula de exclusividade de operação dos ônibus prevista no contrato, as vans e lotadas continuaram a circular indiscriminadamente, prejudicando o sistema.
Em uma nova tentativa de regularizar o serviço, a Prefeitura implantou, em abril de 2019, o transporte alimentador, que determinou que os ônibus circulassem em linhas das áreas centrais da cidade e alocou as vans nas linhas distritais. A estratégia conseguiu garantir o transporte à população e aliviar o trânsito no município. Mas a falta de investimento na infraestrutura de apoio, como instalação de pontos de ônibus e estações nos locais de conexão, causou insatisfação dos usurários. Isso aliado à cobrança irregular por alguns veículos, já que a passagem paga deveria ser única.
Em janeiro de 2021, a Prefeitura novamente liberou a circulação das vans nas áreas centrais para embarque e desembarque, em dois pontos fixos, dos passageiros dos distritos, o que, além de voltar a tumultuar o trânsito, não tem sido respeitado. Hoje, o setor enfrenta a sua pior crise.
Justiça manda retirar veículos das linhas
O pleito das empresas de ônibus por fiscalização do poder público contra o transporte clandestino e cumprimento do contrato de concessão foi parar na Justiça. Há pelo menos três decisões recentes que determinam a retirada do transporte irregular das ruas.
No mês de julho, um pedido de execução provisória requerido pela Rogil foi aceito pela 4ª Vara Cível de Campos, obrigando o IMTT a retirar as vans que faziam o transporte de passageiros nas 14 linhas da empresa. Entretanto, de acordo com a Rogil, ainda há vans rodando nas linhas, principalmente de manhã cedo e final de tarde.
O Consórcio Planície também tem duas decisões judiciais que determinam a proibição e combate ao transporte irregular de passageiros em suas linhas, mas afirma que o IMTT não está cumprindo a ordem judicial e as lotadas e vans continuam circulando indiscriminadamente.
Sobre as decisões judiciais, o IMTT informou que está respondendo e apresentando documentos que comprovam que a fiscalização está coibindo a atuação do transporte irregular.
FOTOS: Gensilon Pessanha
Folha 1
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