Paes sanciona lei que destina 15% do valor de área pública a entidade ligada a aliado
Trata-se da Câmara Comunitária da Barra da Tijuca, um dos principais bairros de atuação do presidente da Câmara Municipal carioca, Carlo Caiado (DEM), um apoiador do prefeito
ITALO NOGUEIRA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), sancionou uma lei que garante que 15% do valor da venda de uma área pública vai para uma associação ligada à base eleitoral de um aliado político seu.
Trata-se da Câmara Comunitária da Barra da Tijuca, um dos principais bairros de atuação do presidente da Câmara Municipal carioca, Carlo Caiado (DEM), um apoiador do prefeito.
A entidade construiu sua sede no terreno público há 19 anos. A prefeitura usa o espaço para eventos como contrapartida pelo uso da área.
O percentual foi incluído por vereadores num projeto de lei enviado por Paes à Câmara Municipal para a venda de 17 terrenos públicos na cidade. A emenda foi solicitada pela entidade em carta a Caiado e sancionada pelo prefeito no fim de setembro.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam irregularidades na forma com que o repasse do valor foi garantido à entidade.
Em nota, Caiado negou ter atuado para beneficiar sua base eleitoral. Ele afirmou que o percentual é uma compensação pelo investimento realizado pela entidade e declarou ter discutido com a prefeitura o teor da emenda. A Secretaria Municipal de Fazenda afirmou que vai submeter o caso à Procuradoria-Geral do Município.
No pedido feito a Caiado, a Câmara Comunitária afirma que gastou R$ 4,3 milhões na construção da sede de dois andares, dos jardins e da infraestrutura da área. O percentual solicitado, segundo o comunicado, tem como objetivo a “continuidade do seu trabalho comunitário”.
A lei foi sancionada sem que a prefeitura tenha realizado qualquer avaliação própria sobre as benfeitorias realizadas no terreno, bem como a estimativa de preço a ser cobrado na licitação para venda –base de cálculo do valor a ser repassado para a entidade.
O presidente da Câmara Comunitária da Barra, Delair Dumbrosck, afirma que conversou com o secretário municipal de Fazenda, Pedro Paulo, sobre o ressarcimento da entidade pelas benfeitorias feitas no imóvel.
“A prefeitura não quis definir um valor, mas um percentual”, disse ele.
Dumbrosck não soube dizer por que razão, após a negociação com a prefeitura, o projeto de lei foi enviado à Câmara Municipal sem a definição do percentual. Ele só foi incluído por meio de uma emenda.
“Você precisa perguntar para eles. Nós depois protocolamos o pedido e conseguimos a emenda com os vereadores”, disse o presidente da entidade.
Para o professor de direito administrativo do Ibmec Farlei Riccio a definição do percentual como previsto na lei é irregular.
“É preciso um procedimento administrativo próprio para verificar a existência dessas benfeitorias e o valor delas. É estranho a definição de um percentual sobre um recurso ainda inexistente e sobre o qual não há qualquer estimativa de valor”, disse Riccio.
O professor de direito administrativo da UniRitter Vinicius Filipin afirma também que há o risco do valor a ser pago à entidade ser superior às benfeitorias que ela alega ter feito. A lei não estipula qualquer teto de repasse do dinheiro arrecadado com a venda do terreno.
“Um percentual aleatório não é a melhor estratégia, sob pena, inclusive, de enriquecimento ilícito por parte da Câmara Comunitária, e violação aos princípios da moralidade, impessoalidade e economicidade administrativa”, afirmou o professor da UniRitter.
Dumbrosck estima que a entidade receberá cerca de R$ 3 milhões –para isso a venda deve atingir R$ 20 milhões. A prefeitura, porém, afirmou que não fez uma avaliação de mercado do terreno, uma área de 2.300 metros quadrados próximo a empreendimentos comerciais.
A lei autoriza no terreno a construção de imóveis de dois andares, altura da edificação atual no local. Essa previsão, porém, pode ser alterada a partir do novo Plano Diretor, a ser analisado pela Câmara Municipal.
Riccio afirma também ser incomum a celebração de um acordo desta forma, com previsão em lei e sem um debate sobre valores.
“Normalmente, essa é uma situação conflituosa. A lei exige uma avaliação não só das benfeitorias, mas também se elas são úteis e necessárias ao município”, diz ele.
Dumbrosck afirma que a entidade busca entendimento com as autoridades de maneira a evitar conflitos.
“Você quer uma instituição que vivesse brigando com o governo? Queremos resolver o problema. A gente sabe fazer isso. Talvez meu pai e a faculdade que fiz tenham me ensinado isso”, disse o presidente da Câmara Comunitária.
A entidade fundada em 1992 teve o título de utilidade pública solicitada em projeto de lei do então vereador Eduardo Paes cinco anos depois. O texto acabou arquivado e só se tornou lei em 2004, quando o atual prefeito já exercia o mandato de deputado federal.
Caiado, a quem a entidade endereçou o pedido dos recursos, já frequentou reuniões na Câmara pessoalmente ou por meio de assessores. A Barra da Tijuca é uma de suas principais bases eleitorais. O vereador propôs, por exemplo, uma homenagem da Câmara à entidade pelos seus 25 anos em 2017.
Dumbrosck negou que a relação com Caiado tenha interferido no oferecimento da emenda e na sanção da lei pelo prefeito.
“Pelo que sei, todos os vereadores assinaram a emenda”, disse ele.
De fato, a emenda tem a assinatura de todos os membros de comissões da Câmara Municipal.
De acordo com o vereador Chico Alencar (PSOL), houve um acordo das comissões para assinar as modificações para que o projeto fosse mantido na pauta. O objetivo, segundo o vereador, era a aprovação conjunta de outras duas emendas da oposição, que preservava uma biblioteca em outro terreno e destinava a verba arrecadada com os leilões para habitação.
“Vamos fazer um requerimento de informações para o Executivo sobre a venda do terreno na Barra para saber o valor estimado e se os 15% para a Câmara Comunitária terão sua aplicação transparente e para que fins”, disse Alencar.
Em nota, Caiado disse que há anos faz emendas para evitar a venda de terrenos públicos.
“A instituição jurídica, ao longo dos anos de utilização, realizou benfeitorias, conforme carta detalhada, e, em caso de venda, pede um ressarcimento a nível de compensação pelo que foi investido. O papel do parlamentar é exatamente fazer essa intermediação entre população e Executivo quando há divergências”, disse o vereador, em nota.
Ele afirmou que o atendimento à solicitação da entidade “nada tem a ver com benefício de base eleitoral”.
“A instituição está solicitando uma compensação pelo investimento feito no terreno, conforme carta em anexo, não desvio de recursos públicos”, declarou, em nota, Caiado.
Em nota, a Secretaria Municipal de Fazenda afirma que “o valor do terreno está sendo estudado”.
“Submetemos a procuradoria e, em caso de não haver impedimento legal, vamos calcular as benfeitorias e prosseguir com a venda”, disse a pasta
Procurado, o prefeito Eduardo Paes não se manifestou.