Vale decide devolver processos de mineração em terras indígenas
A decisão foi tomada por reconhecer que a exploração nessas áreas depende de consentimento prévio e regulação adequada
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Vale decidiu devolver à ANM (Agência Nacional de Mineração) todos os processos minerários que possui em terras indígenas no Brasil. A decisão, diz a empresa, foi tomada por reconhecer que a exploração nessas áreas depende de consentimento prévio e regulação adequada.
A decisão ocorre em meio a debate no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a tese do marco temporal, que defende que os indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem em sua posse até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
A exploração econômica de terras indígenas é defendida pelo governo Jair Bolsonaro, que propôs projeto de lei para permitir a mineração nessas áreas com apoio de garimpeiros que esperam regularizar atividades ilegais na Amazônia.
Nesta terça, em discurso na abertura da assembleia da ONU (Organização das Nações Unidas), o presidente disse que, nessas áreas, “600 mil índios vivem em liberdade e cada vez mais desejam utilizar suas terras para a agricultura e outras atividades”.
Em nota, a Vale frisou que não desenvolve nenhuma atividade de pesquisa mineral ou de lavra em terras indígenas. A companhia diz que o processo começou em 2020, com a devolução de 89 títulos. Agora, devolverá os 15 restantes, na Terra Indígena Xikin do Cateté, no Pará.
A mineradora diz ter desistido dos processos por entender que a atividade “só pode se realizar mediante o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) dos próprios indígenas e uma legislação que permita e regule adequadamente a atividade”.
“O reconhecimento ao CLPI é fundamental para atender aos direitos das populações indígenas de determinar o próprio desenvolvimento e o direito de exercer a autodeterminação diante de decisões que dizem respeito aos seus territórios”, continua o texto.
A decisão foi tomada seguindo a estratégia ESG (sigla para meio ambiente, sustentabilidade e governança) da companhia, que ganhou relevância com a cobrança de investidores por uma mineração mais segura, principalmente após a tragédia de Brumadinho (MG), que deixou 272 mortos em janeiro de 2019.
“A proteção aos indivíduos, suas culturas e modos de vida, assim como a proteção às terras indígenas tradicionais e o auto-governo indígena, dentro do modelo político dos Estados soberanos, são proteções de direitos humanos”, afirmou a Vale.
O projeto que liberaria a mineração em terras indígenas foi apresentado por Bolsonaro no início de 2020, mas o Congresso não levou o debate adiante. Ainda assim, a expectativa de autorização da atividade fez dispararem os pedidos de direito de lavra de ouro nessas áreas.
Em 2020, segundo levantamento feito pelo Instituto Escolhas, foram 31, um recorde. Em 2017, oito pedidos do gênero haviam sido protocolados na agência. No ano seguinte, 11. Em 2019, foram protocolados 21 pedidos.
Mesmo sem as licenças, o garimpo de ouro também teve forte crescimento nos últimos anos, acompanhando a escalada da cotação internacional do minério. Segundo levantamento do MapBiomas Mineração, a área de garimpo em territórios indígenas cresceu 495% entre 2010 e 2020.
A atividade conta com uma regulação desorganizada, fiscalização falha e vista grossa dos países compradores, que evitam se aprofundar sobre a origem do produto que estão comprando, além de grande proximidade com o Palácio do Planalto.
E tem sido combustível para uma série de conflitos, como os que resultaram em tiroteios com a Polícia Federal em terras yanomamis em maio, em Roraima, ou o cerco aos últimos pirikpura, índios que ainda vivem isolados no Mato Grosso.
Em outro comunicado, a Vale informou a criação de uma vice-presidência executiva de Estratégia e Transformação de Negócios, que vai agregar as áreas de Exploração Mineral, Desenvolvimento de Negócios, Inovação e Transformação Digital.
A missão, segundo a empresa, será preparar a Vale para o futuro e “integrar os esforços de transformação da companhia para atingir suas ambições de ser benchmark [modelo] em segurança, operador confiável de classe mundial, organização orientada a talentos, líder na mineração de baixo carbono e referência em criação e compartilhamento de valor”.
A posição será ocupada por Luciano Siani, que desde 2012 ocupa a vice-presidência de Finanças e Relações com Investidores. Para substituí-lo, a Vale contratou Gustavo Pimenta, que há 12 anos atua na companhia energética AES.