Estudo em SP testa uso de estimulação magnética contra depressão em idosos
Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) estuda uma técnica, sem medicamentos, que pode ser alternativa ao tratamento de um dos transtornos mentais mais relacionados aos suicídios nessa faixa etária
O tratamento da depressão é um desafio no caso de quem tem acima de 60 anos. Em geral, os idosos chegam aos consultórios usando outras medicações e, muitas vezes, o diagnóstico está camuflado por outras queixas. Agora, o Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) estuda uma técnica, sem medicamentos, que pode ser alternativa ao tratamento de um dos transtornos mentais mais relacionados aos suicídios nessa faixa etária.
A estimulação magnética transcraniana repetitiva é uma técnica não invasiva que estimula pequenas regiões do cérebro. Era utilizada normalmente em algumas doenças neurológicas e psiquiátricas, como Parkinson, e passa a ser estudada no tratamento para depressão em idosos. A grosso modo, os neurônios não se comunicam bem durante a depressão. Com isso, eles não conseguem liberar os neurotransmissores, responsáveis pela sensação de bem-estar e recompensa. Por isso, o paciente tem a sensação de desânimo. A estimulação magnética faz os neurônios voltarem a se comunicar. A área estimulada está ligada a memória, atenção e planejamento. E isso também traz uma melhora cognitiva.
“Como não é um tratamento farmacológico, ele não tem interação medicamentosa e não interage com outros órgãos. Isso é importante para o público idoso”, explica o psiquiatra Leandro Valiengo, coordenador do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação do instituto.
O advogado Wagner Daniele durante quatro anos relutou em procurar ajuda médica. Temia o preconceito. “As pessoas falam ‘Ah, esse cara é vagabundo’. Por mais que você queira lutar, você não encontra forças. Falta motivação para fazer as coisas que dão prazer. Por isso, o estigma”, relata. Quando decidiu que não dava mais para “se virar sozinho”, como diz, buscou os métodos convencionais de tratamento. Passou por cinco psicólogos, além de terapeutas de linhas diferentes.
Insatisfeito, abandonou tudo. Literalmente. Depois de 35 anos como advogado bem-sucedido, fez ano sabático. Era 2019. Não tinha vontade nem de correr, uma de suas paixões, e deixou de falar até com os mais chegados. Bebia – uma garrafa de aguardente durava dois dias. Fazia isso em casa, sozinho.
No ano passado, encontrou a saída na pesquisa do HC em uma busca na internet. Com o tratamento, retomou a vida. Voltou a trabalhar e hoje é consultor imobiliário. “O tratamento deu motivação. Estou bem melhor do que antes.”
Eficácia
Valiengo alerta, porém, que alguns pacientes melhoram; outros, não. A eficácia do tratamento é a mesma dos antidepressivos, em torno de 50% a 60%. Conclusões estatísticas mais precisas serão possíveis apenas ao fim do estudo. Desde o ano passado, a pesquisa já tratou 60 idosos acima de 60 anos – a meta é alcançar 110, o que deve acontecer na metade do ano que vem.
Embora comum nos Estados Unidos, onde foi aprovada em 2012, a técnica ainda é pouco conhecida no Brasil. Por aqui, sua validação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) data de 2012. Outro fator que dificulta a popularização são os custos da sessão, entre R$ 300 e R$ 500. E não há cobertura de convênios.
Christiane Machado Santana, diretora Científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), alerta ainda para a necessidade de mais pesquisas sobre essa técnica. “Não é um método muito usado. Mas é interessante pensar em uma forma praticamente isenta de efeitos adversos para uma população tão exposta a medicamentos. Mais pesquisas são necessárias para que se torne um método alternativo válido para o tratamento da depressão em idosos”, observa.
Essa é a mesma opinião do psiquiatra Lucas F. B. Mella, especialista em psicogeriatria, coordenador do Serviço de Psiquiatria Geriátrica e Neuropsiquiatria da Unicamp. “É uma boa alternativa de tratamento, mas ainda pouco frequente na prática clínica.”
Suicídio
Segundo a última Pesquisa Nacional de Saúde do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a depressão atinge 13% da população entre 60 e 64 anos. Se não diagnosticada corretamente, é um transtorno mental que pode levar ao suicídio. “Entre os transtornos mentais, representa o maior risco de suicídio”, diz Carlos Cais, doutor em prevenção ao suicídio.
Dados do Ministério da Saúde de 2019 mostram que a taxa de suicídios em idosos é de 19,6/100 mil habitantes por ano, o triplo do conjunto da população (6,5/100 mil habitantes ano). De acordo com a ABP, são registrados mais de 13 mil casos todos os anos no Brasil. “É a faixa etária que mais comete suicídio”, ressalta Cais.
‘É condição controlável e reversível’
O tratamento da depressão tem duas vertentes principais, com e sem medicamentos. Especialistas apontam que os melhores resultados vêm da combinação das duas linhas, ou seja, medicações que aliviam os sintomas e curam, além da psicoterapia, por exemplo. “A depressão é tratável. É uma condição controlável e reversível”, afirma a psiquiatra Julia Loureiro, especialista em psicogeriatria e integrante do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
Os antidepressivos são o pilar do tratamento e trazem benefícios para os pacientes, como explica Christiane Machado Santana, diretora Científica da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Mas é preciso uma ressalva. “Alguns medicamentos são inapropriados para uso em idosos por afetarem a memória, causarem muita sonolência e provocarem quedas. É preciso ter domínio desse conhecimento na escolha terapêutica e nem sempre isso é levado em consideração por médicos não geriatras”, avalia.
O tratamento da depressão é cercado de mitos, como explica Carlos Cais, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e doutor em prevenção do suicídio. E é preciso superá-los. “A depressão é subdiagnosticada. Os idosos frequentam os médicos, mas essas janelas de oportunidade não são bem utilizadas, em função de alguns mitos que devem ser combatidos com a informação. O primeiro é a ideia que idoso é entristecido. Isso não é verdade”, avalia. “Depressão não faz parte do envelhecimento”, completa o psiquiatra Lucas F. B. Mella, da Unicamp.
O especialista destaca que a depressão também pode ser o primeiro sintoma de doenças neurodegenerativas e cerebrovasculares. “Entre cinco a sete anos antes dos sintomas motores de Parkinson, surgem os primeiros sintomas depressivos. Eles vêm antes. Não basta diagnosticar a depressão. É preciso investigar o que pode estar contribuindo com a depressão no idoso”, defende.
Emoção e diálogo
As opções não medicamentosas abrangem a psicoterapia nas suas mais diversas modalidades. A terapia busca trabalhar as questões emocionais a partir do diálogo. Outras opções estão na medicina alternativa, como acupuntura, meditação e arteterapia. “Nos últimos anos, é possível perceber o aumento da procura pela musicoterapia, que funciona bastante com idosos”, explica Daniella Cury, psicóloga e psicanalista especializada em envelhecimento e sexualidade. “A música atinge áreas do cérebro ligadas às emoções mais primitivas. Com isso, ela ajuda a pessoa a falar sobre seus conflitos e sua história.”
Em casos graves que não respondem aos medicamentos, até a eletroconvulsoterapia (ECT), técnica que utiliza eletrochoques para induzir convulsões em pacientes, traz resultados mais imediatos, na opinião de Christiane Machado Santana, da SBGG.
Saiba quando buscar ajuda
1. Quais são os sinais mais comuns de alerta?
Mudanças de hábito: a pessoa se alimentava bem, mas deixa de comer, ou o contrário, e ocorrem alterações no ritmo do sono, dormindo pouco ou ficando o tempo todo deitado; isolamento: perda de interesse pelas atividades que davam prazer; atenção às queixas de dor: reclamações nem sempre específicas de tonturas e muitas idas ao médico sem uma razão determinada; irritabilidade: os idosos podem se tornar mais ranzinzas ou ríspidos; alterações cognitivas: esquecimento, falta de concentração, capacidade diminuída para pensar e uma certa “preguiça” em responder às perguntas do médico, por exemplo.
2. Como diferenciar uma mudança de humor de uma depressão?
A psiquiatra Julia Loureiro, especialista em psicogeriatria e integrante do Serviço Interdisciplinar de Neuromodulação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, explica que existem dois critérios fundamentais. “O primeiro é o tempo de duração. É importante verificar se a mudança permanece por quatro semanas”, explica. “O outro é a funcionalidade. A tristeza e o desânimo interferem nas atividades do cotidiano? Se o idoso deixou de ficar com os netos, cozinhar e dirigir, é preciso atenção.”
3. Onde buscar ajuda?
O primeiro passo pode ser dado com um clínico geral (no SUS, um atendimento especializado pode demorar). O Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas oferece a pesquisa sobre estimulação eletromagnética para idosos acima de 60 anos com depressão. As inscrições devem ser feitas diretamente pelo e-mail da instituição: pesquisa.neuropsiquiatria@gmail.com. As vagas estão abertas e o tratamento é gratuito.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.