Parque Olímpico renova promessas nunca cumpridas cinco anos após Rio-2016
Cinco anos depois, boa parte do legado dos parques olímpicos da Barra e de Deodoro nunca saiu do papel
SÃO PAULO, SP, RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Transformação de ginásios em escolas públicas, criação de um centro de treinamento capaz de fazer do Brasil uma potência esportiva mundial, parcerias com a iniciativa privada e uma gestão sustentável.
Cinco anos depois dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, boa parte do legado dos parques olímpicos da Barra e de Deodoro nunca saiu do papel. Agora, às vésperas da Olimpíada de Tóquio, as promessas são renovadas.
Atualmente, os dois espaços têm gestão fragmentada entre o governo federal, a prefeitura carioca e o Exército Brasileiro.
“Em breve, a gente publica a licitação para desmontagem das duas arenas [de handebol e o parque aquático] e a construção das escolas. Antes da Olimpíada de Tóquio. Para a Arena 3, quero seguir o projeto de fazer a escola municipal”, afirmou à Folha de S.Paulo o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD).
As instalações foram construídas no seu mandato anterior, que acabou em 2016. Foi no final dele que a prefeitura cedeu parte do Parque Olímpico para o governo federal.
“A área é da prefeitura. Vou tirar a cessão e vou tocar pela prefeitura. Está há quatro anos com o governo federal e não fizeram nada. Eles até deram uso, mas divulgaram pouco. Acho que aquilo tem um potencial muito maior”, disse.
“O plano de destinação dessas instalações encontra-se em fase de elaboração e será apresentado às autoridades competentes tão logo seja finalizado”, afirmou a Secretaria do Esporte, vinculada ao Ministério da Cidadania, por meio de nota.
Tanto a gestão federal quanto a municipal seguem com o compromisso de realizar parcerias com a iniciativa privada, mas ainda sem qualquer proposta concreta.
O Exército Brasileiro, também por meio de nota, afirmou que não é responsável por tratar as privatizações e cobra que as instalações que administra sejam incorporadas ao patrimônio militar –atualmente, a Força apenas faz a gestão delas.
“Como desafios enfrentados na gestão estão o atraso de repasses de recursos; alguns vícios de construção não sanados; a transferência patrimonial das arenas, ainda não realizada pela Prefeitura”, diz o texto. “O Exército deseja que seja completada a adequação das arenas.”
Até hoje, a Arena do Futuro não virou escola, o Estádio de Esportes Aquáticos não transmutou-se em dois outros parques e nenhuma parceria com a iniciativa privada foi feita. O custo da desmontagem e o local de instalação das unidades de ensino adiaram o projeto.
É verdade que algumas instalações são usadas por confederações esportivas e que o COB (Comitê Olímpico do Brasil) fez do Parque Aquático Maria Lenk a sua principal base de treino. Mas o objetivo de transformar o espaço em um centro de treinamento permanente das entidades não foi atingido.
Sociólogo, economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carlos Vainer diz que o problema essencial do Parque Olímpico da Barra é que ele não foi pensado para promover o acesso democrático ao esporte, mas sim um negócio imobiliário, já que fica em uma região de alto custo da cidade.
“A pretexto da implantação do Parque Olímpico, a prefeitura moveu mundos e fundos para remover pela força uma comunidade de cerca de 500 a 600 famílias, a Vila Autódromo”, diz. A comunidade removida tinha esse nome por causa do autódromo de Jacarepaguá, que ficava no local e foi demolido para a Rio-2016.
“O que precisamos é da multiplicação de pequenos equipamentos [esportivos] em bairros populares, não de grandes equipamentos luxuosos com custos brutais”, completa Vainer.
Segundo o governo federal, as construções do Parque Olímpico da Barra e de Deodoro custaram mais de R$ 2 bilhões.
A gestão passou a ser compartilhada nos últimos dias de 2016, quando Paes, no apagar das luzes do seu mandato anterior, assinou um termo de cessão da maior parte das instalações para o então Ministério do Esporte -que repassou uma parte para o Exército.
Ex-funcionários apontam a divisão administrativa como uma das dificuldades para gerir o aparelho. Ideias que precisavam de colaboração entre instâncias diferentes por vezes empacaram.
Também citam a falta de continuidade de gestão, problema que se agravou com a extinção da AGLO, autarquia federal fundada em 2017 para cuidar dos equipamentos sob responsabilidade do então Ministério do Esporte.
Seu principal objetivo era concretizar as privatizações e criar um modelo sustentável de gestão. Em 2019, o governo Jair Bolsonaro resolveu não renovar a autarquia. Desde então, a gestão já foi de um novo e menor órgão, o EGLO (também extinto), da Secretaria do Esporte e diretamente da pasta da Cidadania.
O MPF (Ministério Público Federal) e o TCU (Tribunal de Contas da União) também já apontaram suspeitas de superfaturamento nas obras e denunciaram a falta de planos sólidos para gerir as instalações.
“Como se vê, mesmo com todo o esforço empreendido, a formatação do documento de planejamento para a formatação de um modelo de gestão sustentável das arenas olímpicas não teve sucesso”, afirmou o ministro Raimundo Carreiro, em 2019.
O MPF identificou que eventos realizados no local, como o Rock in Rio, podem ter pago contrapartidas abaixo do valor correto e também acusou falhas na prestação de contas.
Em 2017, por exemplo, cabos foram furtados durante o evento musical. A compensação por eles teria sido paga apenas em 2019. Mas, segundo o procurador Leandro Mitidieri, “ainda não concluímos que esses pagamentos ocorreram e que representam o devido ressarcimento dos danos”.
Mais de uma vez foi denunciado o abandono das instalações olímpicas. Em 2019, por exemplo, a Prefeitura do Rio de Janeiro acumulava R$ 11 milhões em dívidas de conta de água e mais R$ 136 mil com a fornecedora de energia elétrica.
A Secretaria Municipal de Esporte suspendeu até agosto o contrato com a concessionária Rio Mais, responsável pela manutenção do Parque Olímpico. A empresa cobra na Justiça R$ 30 milhões em dívidas que afirma ter com o município.
A Rio Mais teria o direito de explorar quase metade do terreno do Parque Olímpico para o desenvolvimento de empreendimentos imobiliários. O desaquecimento fez os planos esfriarem. A empresa também aguarda o desmonte das estruturas provisórias.
Prefeitura, Exército e Secretaria do Esporte dizem que os eventos sediados no Parque foram fortemente impactados pela pandemia, mas que o local não serve exclusivamente ao esporte de alto rendimento e é usado por diferentes projetos sociais que atendem a milhares de pessoas de maneira gratuita.
Nos últimos anos, aconteceram ali eventos de lutas, natação, vôlei, ciclismo e outros esportes, além de atividades recreativas e educativas.