O Pontal do Atafona, no litoral norte do Rio de Janeiro, vem sendo literalmente engolido pelo mar, que avança ferozmente a cada ano. Ele devora ruas, casas, edifícios e o que mais encontra pela frente.
E para isto nem foi preciso nenhum efeito bombástico e devastador de um tsunami – como o que destruiu o nordeste do Japão em 11 de março. Ali, ao contrário, as águas se insinuam na surdina, com insidiosa paciência.
Ainda não há explicação definitiva para o que está acontecendo. Alguns cientistas acreditam que o fenômeno é natural, causado pelas fortes turbulências marítimas consequentes do encontro do rio Paraíba do Sul com o mar, que ocorre próximo à região.
Outros, entretanto, defendem que o enfraquecimento do rio, causado pelo represamento e a subtração de suas águas, desflorestamento de suas margens e o crescimento desordenado das cidades ribeirinhas estão entre os principais fatores.
Há ainda os que culpam o aquecimento global.
Neste final de semana, nove anos depois da matéria que acabamos de relembrar para vocês, o Folha 1 fez essa postagens mostrando a atual situação dramática em que se encontra o pontal de Atafona e como vivem alguns de seus resistentes moradores.
Lembranças, memórias e espaços perdidos entre areias, caibros, vigas e mármores. Ausência de prédios e casas que eram referências de histórias de um passado não tão distante. A mudança do cenário em Atafona encanta turistas e curiosos, mas guarda tristezas para os que ali vivem e presenciam diariamente a degradação causada pelo avanço do mar. Na última semana, fortes ondas atingiram novamente residências, levando partes das construções, e causaram preocupação para os moradores.
À beira da varanda, parcialmente destruída por fortes ondas, o caseiro Antônio Marcos Santos Viana, de 34 anos, se recorda do barulho que o fez acordar, na madrugada de segunda, quando houve a queda da estrutura e de parte do muro. Ele mora em uma casa, localizada perto do antigo Atafona Praia Cube, com os quatro filhos e a esposa.
— Isso foi nessa ressaca que deu aí, na madrugada de segunda. Primeiro, caiu o muro. No outro dia, umas 22h30, caiu um pedaço da varanda e o muro de trás. Na quinta, o mar recuou um pouquinho. É triste ver isso. Eu mexo com cavalo e, quando vim para cá, eu andava aqui atrás com carroça e saía no outro terreno. Era tudo bem distante. Aqui, era bom de festa também. Até Dom Américo cantou duas vezes nessa varanda. Deu gente para caramba. Aqui, era bem animado, mas agora dá pena. Dá pena dos donos também. Perder a casa assim… — lamentou Antônio. Os proprietários tiraram os móveis da residência na quarta-feira.
O caseiro, nascido em Marataízes e morador de Atafona há 18 anos, afirmou que, apesar estar preocupado com a degradação, ainda permanecerá na casa em que mora, localizada no mesmo terreno, mas um pouco afastada da residência principal. “Não temos Aluguel Social e vamos ficando. Os donos vêm direto aqui. Agora que aconteceu isso, não sei se vão voltar mais. Não tem como ficar aqui mais. Eu me sinto acuado. É aquela coisa: estou dormindo, mas com a cabeça pensando ali”, declarou.
“Só está indo embora”, disse Jéssica França Vasconcelos, esposa de Antônio Marcos, enquanto apontava para o mar e observava as ruínas, pouco abaixo de seus pés, formadas por partes da varanda, do muro e de outras construções destruídas ao longo dos anos. Para ela, nascida e criada em Atafona, a imagem é de tristeza:
— O mar comeu muito. Eu vivi nesse clube a minha infância inteira. Olhe o que sobrou dele. Nós vimos piscina sendo levada; casas e mais casas. Minha família toda é de pescadores. Minha avó era da Ilha da Convivência. O que existe mais da ilha? Nada. Tem que fazer o que foi feito na cidade do Marcos: colocar o quebra-mar. Há anos, todos os políticos que entram dizem que vão fazer algo e não fazem. É uma tristeza ver tudo indo embora.
Entre o antigo clube e o Pontal, Elizabeth Santana, de 68 anos, também acompanha avanços e recuos do mar. Ela trocou a capital por Atafona, há cinco anos, em busca de calmaria e diz estar tranquila quanto às mudanças da natureza.
— O mar aqui tem várias facetas: uma hora, está marrom; uma hora, está bravo. Mas, se você respeitar a natureza, você vai andando conforme ela manda. Não adianta você querer brigar com ela. Adoro morar aqui — pontuou Elizabeth, destacando a segurança na praia. “Eu vim para cá para ficar na tranquilidade, deixar a casa aberta. Isso é uma paz”, complementou.
Apesar dos aspectos positivos, para ela, faltam ações do poder público, “Parece que Atafona está esquecida. Eu não sei quem vai ser eleito, mas, pelo amor de Deus, que faça alguma coisa por Atafona”, pediu.
Em nota, a secretaria de Meio Ambiente e Serviços públicos informou que “já vem sendo discutido junto ao Ministério Público e entidades diversas propostas visando diminuir o impacto da erosão costeira em Atafona”. De acordo com o órgão, foram desenvolvidos três estudos: “um que apontava como proposta o engordamento da praia, outro da criação de espigões e outro propondo o quebra-mar e engordamento, todos visando conter avanço do mar sobre a foz”.
A secretaria informou, ainda em nota, que “o Ministério Público não considerou, ainda, que alguma dessas propostas fosse viável, já que o problema em Atafona é muito pontual, e a dinâmica no Rio Paraíba na foz é muito intensa, necessitando de estudos ainda mais profundos. Qualquer ação que se faça nesse trecho pode impactar negativamente nos municípios e estados vizinhos. O MP apontou a necessidade de um estudo de impacto global sobre qualquer medida a ser adotada”.
Sônia Ferreira lamenta a perda dos espaços
Em frente aos escombros do prédio do Julinho, Sônia Ferreira, de 76 anos, observa, da varanda, os novos desenhos traçados pelo mar. A casa em que vive foi construída há 40 anos, quando ainda existiam dois quarteirões à frente. “Nós éramos o início do terceiro quarteirão. A gente andava muito para chegar à água. Nesses anos, o mar tem avançado, e agora eu estou nessa situação, de frente para ele. É uma degradação muito rápida”, lastimou.
Sônia começou a frequentar Atafona aos oito meses de idade e, todos os anos, ia para a praia nas férias. No início da juventude, ela se mudou para o Rio de Janeiro. Nessa época, a praia se tornou sinônimo de todos os descansos, até o dia em que ela optou por morar de vez no balneário, após enfrentar um câncer.
— Eu venho acompanhando tudo isso, e é muito doído. Não é só o lado material que você perde. Aqui, tivemos momentos muito alegres. Meus filhos dizem: “mãe, na hora em que você sair daqui, essas lembranças vão com você”. Mas os espaços não vão mais comigo — declarou.
Em março de 2019, parte do muro de Sônia desabou devido a uma ressaca. Ela se lembrou de ter acordado, com os filhos, que sairia da casa, mas mudou os planos. “Depois de sair e procurar para ver para onde eu iria, tive um insight de arrumar a casa que era do caseiro, porque eu não estaria na casa principal, mas estaria no meu espaço”.
Agora, a preocupação de Sônia é com a base da construção. “O mar está batendo exatamente na areia do meu terreno. A água vai infiltrando Estou preocupada porque está fazendo um barranco enorme. Daqui a um tempo, a casa vai começar a dar sinais de que está ruindo. Eu não gostaria de ver. Gostaria, se Deus me permitir, de viver muito mais, mas não gostaria de ver a casa caindo”, pontuou.