Passageiros das barcas do RJ reclamam de mudanças de horários
Segundo secretário de Transportes, a CCR Barcas, atual concessionária,
opera com prejuízos e não vai renovar o contrato. Moradores de Paquetá
são os mais afetados.
Uma nova grade de horários, que deverá ser aplicada a partir da próxima sexta-feira (25) no serviço de barcas da Região Metropolitana do Rio, está causando reclamações entre os passageiros. Entre os mais revoltados estão moradores da Ilha de Paquetá.
As trocas nos horários das linhas Arariboia, Cocotá e Paquetá já foram adiadas três vezes pela CCR Barcas.
Barca Rio-Niterói — Foto: Divulgação/CCR Barcas
As mudanças vão aumentar o intervalo entre as viagens que saem de Niterói e da Praça XV, além de reduzir o número de viagens para os passageiros de Paquetá e da Ilha do Governador. Segundo a CCR Barcas, os novos horários têm como objetivo “melhorar a eficiência operacional”.
Contabilizando somente o trajeto Praça XV – Paquetá, a redução representa uma diminuição de sete viagens ao longo do dia, na ida e volta à ilha. Nos finais de semana, a redução será de 25 viagens para apenas 12.
Um abaixo-assinado virtual organizado pelos moradores do bairro tenta sensibilizar as autoridades para reverter a decisão da Justiça. Até o fechamento dessa reportagem, 10.475 pessoas assinaram o protesto.
Segundo a CCR Barcas, os novos horários têm como objetivo “melhorar a eficiência operacional” — Foto: Divulgação
Na opinião dos moradores de Paquetá, as alterações podem inviabilizar a vida no bairro, já que não existe opção de transporte ligando a ilha ao continente. As mudanças também podem derrubar a maior fonte de recursos dos moradores, que sempre lucraram com o turismo.
“A proposta soa para nós como um desrespeito aos moradores. A secretaria parece estar trabalhando para garantir o lucro da CCR Barcas. Temos restaurantes, hotéis e comerciantes preparando aviso prévio para os funcionários. Isso vai matar o bairro”, disse Leonardo Couto, que mora em Paquetá desde 2013.
Para Leonardo, o final de semana que passou foi o “último antes do fim do mundo”. Ele acredita que o movimento de turistas vai acabar.
“Morador de lugar algum pode ser refém de tabela financeira. A gente espera que o governador se pronuncie em favor dos moradores, assim como o prefeito. Não existe um bairro com um intervalo no transporte maior do que de uma hora. Nem outras cidades tem um intervalo desse. Em Paquetá teremos um intervalo de 5 horas. Vão acabar com a vida de 5 mil pessoas”, contou Leonardo.
A professora aposentada Cristina Campos, de 57 anos, lembrou das dificuldades para quem estuda ou trabalha no continente.
“A minha filha faz faculdade na Unirio e a aula termina às 22h. Se ela perder a barca as 23h já era. Vai ter que dormir na Praça XV”, disse Cristina, antes de lembrar também da situação de médicos, enfermeiros, professores e outros funcionários que trabalham na ilha.
“Como será quando tiver uma emergência médica ou um caso de morte ou uma grávida? Se qualquer bairro ficasse fechado seria um caos. Aqui não temos opção”, reclamou Cristina.
A moradora da ilha Raíssa Cortat, acredita que falta um olhar mais sensivel das autoridades para quem valoriza a vida na Ilha de Paquetá.
“O hospital vai ser muito afetado. Médicos e plantonistas não vão conseguir fazer a troca do plantão. A escola provavelmente vai parar de funcionar. É um ataque material e simbólico à nossa ilha. Não somos só moradores de Paquetá, nós somos de Paquetá”, disse a estudante e moradora da ilha, Raíssa Cortat.
Novas barcas irão atender população do Rio — Foto: Divulgação/ CCR Barcas
Prejuízo na operação
O secretario de transporte do estado do Rio de Janeiro, Delmo Manoel Pinho, disse ao G1 que o governo irá escolher uma nova empresa para operar o transporte hidroviário do RJ dentro de 3 anos. A ideia é substituir a CCR Barcas, atual concessionária, antes de fevereiro de 2023, quando acaba o contrato com a empresa.
De acordo com o secretário Delmo Manoel Pinho, a CCR Barcas vem tendo prejuízos em sua operação ao longo dos últimos 22 anos, desde a assinatura do acordo, em 1998.
“A Justiça reconheceu esse fortíssimo desequilibro financeiro. Uma despesa de R$ 70 milhões por ano, em média, a mais que a receita da empresa. Eles disseram que teriam que reduzir esse déficit sobre o risco de não conseguir operar mais”, explicou o secretário.
O contrato com o estado dá o direito para a CCR Barcas operar o transporte aquaviário do Rio até 2023. Mas em 2015, a concessionária informou ao governo que não tinha mais interesse em continuar operando e pediu para sair. O pedido não foi atendido pelo governo.
Em 2017, a Justiça determinou que uma nova licitação para concessão das barcas fosse feita em até 2 anos. O Governo lançou um edital para licitar o serviço, mas em 2018 o Tribunal de Contas do Estado (TCE) encontrou problemas no documento e suspendeu o processo.
Entre os problemas encontrados estavam a exigência na exclusividade na prestação de serviços (ao invés da prestação do serviço por várias empresas); a não obrigatoriedade de criação de novas linhas; e a possibilidade de participação na concessão de empresas que operam outros meios de transportes.
Grupo reclamava de atrasos na Estação da Praça XV, no Centro — Foto: Renata Soares / G1
Volume de passageiros caiu
Segundo informou o titular da pasta de transportes do estado, outro problema enfrentado pela CCR Barcas é a queda no número de passageiros no sistema. Delmo informou que a demanda caiu de 120 mil passageiros por dia, em média, para 60 mil por dia, nos últimos sete anos.
Outro fator que contribui para a queda de faturamento da empresa, segundo o secretário, é a lei que permite que os moradores de Paquetá não precisem pagar pelo transporte marítimo.
“O legislador que dá a gratuidade precisa mostrar a origem do dinheiro para cobrir esse custo. E isso não foi feito”, explicou.
“Nós temos toda consideração e apreço pelas circunstâncias dos moradores de Paquetá. Mas aquela ligação é deficitária em mais de 80%, os moradores não pagam, só os turistas. A situação da concessão é insustentável. Nós temos que equilibrar a necessidade do usuário, o interesse público e a empresa”, completou Delmo.
Entre outros pontos apontados pelo secretário como prejudiciais à empresa que administra o transporte, está a falta de conexões entre as barcas e outros transportes no centro do Rio, depois que o mergulhão e a perimetral foram destruídos.
Sobre os novos horários que passarão a valer a partir de sexta-feira, o secretário disse que a proposta foi uma vitória da pasta, já que a primeira sugestão da CCR Barcas traria ainda mais problemas para os moradores de Paquetá.
“Nós tivemos reuniões com associações de moradores, Defensoria Pública e concessionária para buscar uma alternativa menos dolorosa para as pessoas. Vimos os horários de entrada e saída de professores, médicos e estudantes. Mas alguma coisa tinha que ser reduzida. Essa era nossa capacidade de negociar. Agora vamos ter que ter um esforço extra para tentar mudar a grade dos horários de finais de semana. Vamos tentar melhorar essa questão”, prometeu o secretário.