BAGDÁ – Nem bem via a violência sectária diminuir após a derrota do sunita Estado Islâmico em 2017, o Iraque enfrenta uma onda de protestos que já deixou ao menos 65 mortos e mais de 190 feridos nos últimos três dias, levando o primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi a pedir calma enquanto o principal clérigo xiita do país, o grande aiatolá Ali al-Sistani, culpa os políticos pela situação ao fracassarem em melhorar a vida da população da nação destroçada por décadas de guerras e sanções econômicas.

As manifestações, que começaram no Sul do Iraque, berço da maioria xiita iraquiana, têm como foco a corrupção no governo, a falta de empregos e os péssimos serviços públicos, e logo se espalharam para outras regiões do país, em especial a capital, Bagdá. Sem uma liderança formal ou coordenação de alguma força política, os protestos são convocados principalmente pelas redes sociais e conduzidos por jovens, os mais prejudicados pela má situação econômica da nação, apesar da riqueza do petróleo.

“É lamentável termos tantas mortes, feridos e destruição. O governo e os políticos não atenderam as demandas da população para que lutassem contra a corrupção e não conseguiram realizar nada. O Parlamento tem a maior responsabilidade pelo que está acontecendo”, diz carta de Sistani lida por um representante durante um sermão nesta sexta.

Por seu lado, o clérigo populista Moqtada al-Sadr, também xiita e que lidera o maior bloco de oposição no Parlamento, ordenou que seus comandados suspendessem a participação na Legislatura até que o governo apresente propostas que melhorem as condições de vida dos iraquianos, num movimento que pode elevar ainda mais a tensão. Um deles, o parlamentar Awad al-Awadi, descreveu os protestos como “uma revolução da fome”.

Em comunicado divulgado na tarde desta sexta, Sadr pediu a renúncia do governo e a realização de novas eleições. “Respeitem o sangue dos iraquianos com a renúncia do governo e se preparem para eleições antecipadas fiscalizadas por monitores internacionais”, diz o texto.

A violência dos últimos dias é um teste sem precedentes para o primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi. Político veterano de temperamento moderado, ele assumiu o poder no ano passado como candidato conjunto negociado entre os poderosos grupos xiitas que dominam o Iraque desde a queda do ditador Saddam Hussein em 2003.

Em pronunciamento na noite desta quinta, Abdul Mahdi prometeu realizado reformas, mas alertou não haver uma “solução mágica” para os problemas do Iraque. Ele também insistiu que a classe política está atenta às demandas e sofrimento do povo:

— Não vivemos em torres de marfim. Andamos entre vocês nas ruas de Bagdá — afirmou.

Ruas estas, porém, que estão se mostrando nada seguras para caminhar nesta sexta-feira, em que sons de tiros puderam ser ouvidos ao longo de todo dia na capital iraquiana. Relatos dão conta de que franco-atiradores — não se sabe se ligados às forças de segurança — estão disparando contra os manifestantes, com um repórter da agência Reuters tendo testemunhado ao menos um ser atingido na cabeça e declarado morto no hospital.

— As promessas de Adel Abdul Mahdi são para enganar o povo, e hoje (sexta) eles estão disparando tiros de verdade contra nós — disse um jovem numa multidão que fugia dos tiros no Centro de Bagdá. — Hoje este era um protesto pacífico. Mas eles montaram estas barricadas e o franco-atirador está lá desde a noite passada.

Fontes da polícia e dos serviços de saúde informaram à Reuters que as vítimas fatais dos protestos nos últimos três dias incluem 18 pessoas mortas na cidade de Nassiriya, no Sul do Iraque, 16 em Bagdá, quatro em Amara, também no Sul, e outras quatro em Baquba, já no Norte, à medida que as manifestações se espalharam pelo país. Também foram relatadas mortes nas cidades de Hilla e Najaf, de volta ao Sul do Iraque.
O Globo, com agências internacionais