A tensão nos bastidores da política de Campos veio à tona na última semana e deve continuar nas alturas até o fim das sessões legislativas deste ano. A Prefeitura de Campos enviou à Câmara na terça-feira um pacote com medidas de contingenciamento. Quatro delas envolvem a área da saúde e os servidores, já encontrando resistência e expondo um racha na base governista. A articulação política continua a todo vapor, mas a base governista, que foi ampla maioria na gestão Rafael Diniz (Cidadania), não teria, ao menos até sexta, o mínimo de 13 votos para aprovação de todos os projetos. Além disso, a divisão no Legislativo pode gerar outra medida preocupante para o governo: o engessamento do orçamento de 2020, com um percentual de remanejamento para o prefeito de apenas 10%.
Procurador-geral do município, José Paes Neto, disse esperar que os sete projetos sejam votados antes do recesso parlamentar, após a sessão da próxima quarta.
Para o Sindicato dos Médicos de Campos (Simec), dois projetos do governo sobre pessoal são os mais preocupantes: o que trata do auxílio-alimentação e da insalubridade dos servidores, e o que tenta unir as três leis municipais sobre as gratificações do serviço público. Para os hospitais, os alvos são outros dois projetos: o quer obrigá-los a instalar um Portal da Transpa-rência e regras de compliance (programa de integridade) para recebimento da complemen-tação municipal da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), além da adequação do Conselho Municipal de Saúde à orientação que teria sido passada pelo Ministério Público Federal (MPF) de Campos.
Segundo explicou o procurador José Paes, a mudança no auxílio-alimentação é que o limite para seu pagamento seria dado não só no salário base do servidor, mas também os adicionais que ele recebe ao longo da carreira. O mesmo projeto também mudaria a referência de pa-gamento ao adicional de insalubridade. Atualmente varia entre 10%, 20% e 40% do salário, de acordo com o grau de insalubridade. E o governo quer mudá-lo para valores fixos correspon-dentes: R$ 100, R$ 200 e R$ 400.
Sobre a tentativa de mudar as gratificações, o procurador lembrou que atualmente há três leis municipais que as regem, às vezes conflitantes. O projeto do governo visa unificá-las. O valor do pagamento não muda, mas a gratificação só seria paga de acordo com o setor em que o servidor atuar. Hoje, todos que trabalham, por exemplo, nos hospitais Ferreira Macha-do (HFM) e Geral e Guarus (HGG), recebem gratificação. E a proposta é de pagar apenas aos servidores que atuam em setores de maior risco, como a Emergência e a UTI.
Além dos quatro projetos que geraram forte resistência dos médicos e hospitais, outras três foram enviadas pelo governo à Câmara na terça: um criando regras no Código Tributário para os bancos; outro criando no município três Zonas Especiais de Negócio e, por fim, o que pede autorização para transação judicial com os cartórios da cidade, cujo dinheiro iria todo para os hospitais.
Médicos e hospitais têm reações
Presidente do Simec, José Roberto Crespo esteve na quarta na Câmara. Segundo ele, a pauta original do encontro seria o não cumprimento, por parte do governo, de acordos firmados para o fim da greve dos médicos, em agosto. Só então teria tomado conhecimento das pro-postas do governo, enviadas no dia anterior. Na quinta, ele disse à Folha que algumas medi-das dos novos projetos, como a mudança na insalubridade, por exemplo, não poderiam ser aprovadas, pois o percentual sobre o valor do salário seria determinado por lei.
— Estamos conversando com Fred (Machado, presidente da Câmara) e com os demais vere-adores para que a coisa não evolua de forma que nos prejudique. A gente conhece os pro-blemas, sabe o que aconteceu nas administrações anteriores, abriram concursos sem neces-sidade, incharam a máquina. O que é preciso é rearrumar. Campos, hoje, tem o menor salário da região. Não podemos perder direitos adquiridos ao longo dos anos — pregou o presidente do Simec.
Presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas, Casas de Saúde e Estabelecimentos de Serviço de Saúde da Região Norte Fluminense (Sindhnorte) e diretor-geral do Hospital Plantadores de Cana (HPC), Frederico Paes também criticou o pacote de contingenciamento:
— Os projetos são de suma importância para a Saúde do município e entendo que foram feitos e enviados para a Câmara no “apagar das luzes” do ano legislativo, para votar junto ao orçamento do município, sem discutir com a sociedade civil organizada, sem discutir com o Conselho Municipal de Saúde e com os hospitais contratualizados, que não são apenas os filantrópicos, são todos os hospitais e clínicas do município. Então, é uma coisa arbitraria e totalmente inconstitucional.
Limitações até no remanejamento.
As tensões na Câmara vieram à tona com as reações aos sete projetos do plano de contin-genciamento do governo. No entanto, a coisa começou em outubro. Foi quando, na primeira peça orçamentária para 2020 mandada pelo Executivo, 11 vereadores assinaram uma propos-ta de emenda que tenta engessar a capacidade de remanejamento do governo em 10% do valor total — ou R$ 1,88 milhão, de acordo com o novo Orçamento, enviado nessa terça pela Prefeitura. Nos três primeiros anos da gestão Rafael, este percentual foi de 30%. E era de 50% nas administrações de Rosinha.
Apontado como articulador do racha na base, o vereador Igor Pereira (PSB) negou que tenha intenção de ser vice em alguma chapa contrária a Rafael em 2020, mas não parece disposto a mudar seu posicionamento: “Não vou votar contra o servidor. Falo por mim e pelos vereado-res Neném (PTB), Joilza (PSD), Paulo Arantes (PSDB), Silvinho (Patri), Ivan Machado (PTB), Enock (PHS) e Perfil (PHS). Quanto a limitar o remanejamento do Orçamento em 10%, isso não é engessar o governo. Se precisar de 30%, que passe pela Câmara e a gente discute jun-to”. Não importa se Rosinha tinha 50%. Isso já passou. Rafael tem que entender que estamos do mesmo lado. A vida é feita de escolhas. Se entender que não estamos do mesmo lado, a escolha é dele”.