Direita atropela esquerda na Inglaterra e Boris Johnson, consegue vitória mais expressiva dos conservadores em 30 anos
Na liderança do Partido Conservador britânico desde a renúncia de Theresa May, em julho deste ano, Boris Johnson, com sua retórica de campanha em defesa do Brexit, conseguiu significativa vitória sobre os trabalhistas, a principal força de oposição nas eleições gerais realizadas nesta quinta-feira.O partido de Johnson assegurou 365 cadeiras de um total de 650 no parlamento. Até então, os conservadores tinham apenas 317 cadeiras, um número que não garantia a maioria absoluta de 326 cadeiras. Para assegurar governabilidade, o partido teve que recorrer a uma coalizão com o Partido Unionista Democrático (DUP, na sigla em inglês) da Irlanda do Norte.
Esta foi a quarta vez em que o país foi às urnas em quatro anos. Desde 2015, ocorreram três eleições-gerais e o plebiscito sobre o Brexit.
As eleições desta quinta-feira estavam previstas para ocorrer apenas em 2022, porque, em teoria, os britânicos só vão às urnas a cada cinco anos para formar um novo Parlamento e, por consequência, escolher o primeiro-ministro que governará o país.
A última vez que isso havia ocorrido foi em 2017. Naquele ano, a então premiê, Theresa May, fez uma aposta ao antecipar as eleições para tentar ampliar sua maioria parlamentar em meio às tentativas de aprovar um acordo para o Brexit.
No entanto, May sofreu um revés, e sua legenda, o Partido Conservador, saiu das urnas sem maioria no Parlamento e, mesmo tendo sido o mais votado, foi obrigado a fazer uma aliança com o Partido Unionista Democrático (DUP, na sigla em inglês) para poder governar.
Neste ano, o pleito foi novamente antecipado, por iniciativa de Johnson e com o aval do Parlamento, em uma tentativa de acabar com o impasse sobre a saída do Reino Unido da UE, que foi o principal tema desta eleição entre os britânicos e nos debates entre os candidatos.
Johnson é defensor do Brexit e prometeu, durante a campanha para susceder May como líder conservador e premiê britânico, implementá-lo o mais rapidamente possível.
Quase três anos e meio depois que o Reino Unido aprovou o Brexit, ele ainda não se concretizou. A data limite original era 29 de março de 2019. Mas, como um acordo de saída não foi aprovado no Parlamento a tempo, o prazo foi adiado para 31 de outubro. Agora, está previsto para 31 de janeiro de 2020, a menos que seja fechado um acordo antes.
A crise política que permeia o Brexit já derrubou dois premiês: além de May, o também conservador David Cameron, que havia prometido realizar o plebiscito apesar de ser contra a saída do bloco e renunciou após o resultado pró-Brexit.
Antes da eleições, Johnson não tinha o apoio de parlamentares suficientes para aprovar facilmente novas leis e sofreu consecutivas derrotas legislativas em seus planos para tirar o Reino Unido da UE.
Johnson havia tentado por duas vezes antecipar as eleições, primeiro em setembro e depois em outubro, mas sua proposta foi rejeitada em ambas as ocasiões pelo Parlamento, que também contrariou o premiê ao aprovar uma lei que impede um Brexit sem acordo e obrigou Johnson a pedir um adiamento do prazo caso não conseguisse aprovar um acordo até 19 de outubro, o que de fato ocorreu.
Somente após a UE formalizar o adiamento do Brexit que Johnson conseguiu aprovar seu pedido de eleições antecipadas. A expectativa do premiê era ampliar o número de assentos ocupados pelos conservadores e, assim, conseguir mais facilmente colocar em prática seus planos para a saída do bloco.
Durante a campanha, o premiê se comprometeu a concretizar o Brexit até 31 de janeiro, enquanto seu principal oponente, Jeremy Corbyn, do Partido Trabalhista, prometeu “resolver a questão do Brexit” em seis meses, renegociando o acordo fechado por Johnson com a UE e submeter os novos termos a votação popular.
Após a confirmação da derrota, Corbyn anunciou que não pretende mais liderar os trabalhistas em outra eleição geral, mas não anunciou sua renúncia à liderança do partido como muitos esperavam.
Do jornalismo à política
Johnson é conhecido por seu cabelo desgrenhado, algumas gafes, frases polêmicas e o gosto pelos holofotes, ao mesmo tempo em que é popular entre uma parcela relevante do Partido Conservador. Segundo analistas da política britânica, há tempos ele almeja o cargo de premiê.
Johnson nasceu em Nova York, em 1964, e até pouco tempo tinha dupla nacionalidade britânico-americana. Segundo a agência France Presse, sua irmã Rachel dizia que desde criança ele queria ser “o rei do mundo”.
Já na Inglaterra, Johnson estudou em Eton, centenária e prestigiosa escola privada, e depois na Universidade Oxford – percurso tradicional entre personagens da elite política britânica.
Na universidade, integrou, junto a David Cameron, o famigerado Bullingdon Club, um antigo clube exclusivo para estudantes homens – em geral, ricos -, conhecido por suas festas regadas a bebida e confusão.
Johnson voltou ao Parlamento em 2015, eleito por um subúrbio do noroeste de Londres. No plebiscito de 2016, a respeito da permanência do Reino Unido na UE, Johnson foi umas das principais figuras políticas a apoiar o voto pró-Brexit, que acabaria sendo vitorioso.
Brexit
Boris Johnson foi uma figura de destaque na campanha a favor do Brexit durante o referendo em 2016.
Ele ficou conhecido por seus ataques à União Europeia – e muitos o acusaram de “exagerar” ou mesmo “mentir” nos seus ataques ao bloco e sua defesa dos supostos benefícios do Brexit.
O episódio mais polêmico desse período foi quando afirmou que o Reino Unido enviava 350 milhões de libras (cerca de R$ 1,6 bilhão) por semana à UE. Mas críticos apontaram na época que o número estava errado, uma vez que não levou em conta o montante que é devolvido pela UE, ou mesmo quanto desse dinheiro era gasto posteriormente no Reino Unido.
Johnson foi chanceler por dois anos e deixou o posto depois de vários desentendimentos com May por conta do Brexit.
Em junho de 2018, por exemplo, ele declarou que a então premiê precisava mostrar “mais coragem” nas negociações com a UE – e, nisso, contou com apoio explícito do presidente americano, Donald Trump, que mais tarde disse que Johnson faria um “grande trabalho como premiê” e daria um jeito no que chamou de “desastre” de May no Brexit.
Johnson disse durante a campanha para susceder May que se fosse escolhido premiê, se comprometeria com o prazo do Brexit de 31 de outubro, mesmo na ausência de um acordo com o bloco europeu – o temido cenário do “Brexit sem acordo”, a saída unilateral sem acordo do bloco, que traria consigo várias incertezas e colocaria em xeque a relação do Reino Unido e dos britânicos com a Europa.
“Caso contrário, enfrentaremos uma catastrófica perda de confiança na política”, declarou então.
Ele também disse que se recusaria a pagar a “conta” do Brexit – uma soma de 39 bilhões de libras (R$ 181 bilhões) que a UE exige como compensação – a não ser que sejam oferecidos termos de negociação mais favoráveis ao Reino Unido.
Entre as falas mais polêmicas e criticadas de sua carreira política estão a vez em que se referiu a homossexuais como “bumboys” (bum, em inglês, é usado para se referir tanto às nádegas quanto a “vagabundos”) e quando declarou que muçulmanas usando o véu que deixa só os olhos à vista se assemelhavam a “caixas de correio”.
Johnson acabaria vencendo a disputa e assumindo o posto de premiê após uma votação realizada entre membros do Partido Conservador, vencendo o então chanceler Jeremy Hunt, o único político que havia restado na briga pelo cargo, após rodadas anteriores de votações entre parlamentares da legenda.
Por: msn