As declarações de Bolsonaro que levaram à demissão de Levy do BNDES
No sábado (15), em Brasília, Bolsonaro declarou a jornalistas: “Eu já estou por aqui com o [Joaquim] Levy. Falei pra ele demitir esse cara [Marcos Barbosa Pinto] na segunda-feira ou eu demito você, sem passar pelo Paulo Guedes”.
Após as críticas do presidente, Guedes disser entender a “angústia” de Bolsonaro e aproveitou para demonstrar também sua insatisfação com o trabalho de Levy.
“O grande problema é que Levy não resolveu o passado nem encaminhou solução para o futuro”, afirmou o ministro em entrevista a Gerson Camarotti, do G1.
Um dos motivos da insatisfação com o trabalho dele teria sido a resistência do presidente do BNDES em devolver o dinheiro injetado no banco. O ministro da Economia havia afirmado que esperava receber R$ 126 bilhões neste ano, uma quantia importante para ajudar no ajuste fiscal e na política econômica do governo, mas Levy não teria se comprometido com isso.
A importância do BNDES no fomento da atividade econômica no Brasil é grande: o banco responde por cerca de metade do volume total de financiamentos para pessoas jurídicas com prazo de pagamento acima de cinco anos.
O outro ponto de discordância com Levy passa pela promessa de campanha de Bolsonaro de “abrir a caixa-preta do BNDES” logo no início do governo, e “revelar ao povo brasileiro o que feito com seu dinheiro nos últimos anos”.
Em novembro, Bolsonaro declarou ao site O Antagonista: “a caixa-preta vai ser aberta na primeira semana! Não tenha dúvida disso. Se não abrir a caixa-preta, ele (Levy) está fora, pô. Alguns falam que não tem caixa preta… Eu quero a suspensão de todos os sigilos, sem exceção”.
Na entrevista a jornalistas neste sábado (16), após ameaçar demitir Levy, Bolsonaro completou: “Governo tem que ser assim, quando bota gente suspeita em cargos importantes. E essa pessoa, como o Levy, vem há algum tempo não sendo leal àquilo que foi combinado e àquilo que conhece a meu respeito. Ele está com a cabeça a prêmio já tem algum tempo”.
Pedido de demissão
Leia a íntegra da mensagem do economista:
“Solicitei ao ministro da Economia Paulo Guedes meu desligamento do BNDES. Minha expectativa é que ele aceda.
Agradeço ao ministro o convite para servir ao País e desejo sucesso nas reformas.
Agradeço também, por oportuno, a lealdade, dedicação e determinação da minha diretoria. E, especialmente, agradeço aos inúmeros funcionários do BNDES, que têm colaborado com energia e seriedade para transformar o banco, possibilitando que ele responda plenamente aos novos desafios do financiamento do desenvolvimento, atendendo às muitas necessidades da nossa população e confirmando sua vocação e longa tradição de excelência e responsabilidade.
Joaquim Levy”
Afinal, há uma caixa-preta no BNDES?
Não está exatamente claro a que o presidente se refere quando utiliza o termo “caixa-preta”.
A resposta simples para a pergunta é que o banco, de fato, mantinha muitos dados em segredo e se recusava a fornecer informações. Mas, a partir de 2015, após grande pressão da imprensa e de órgãos de controle, o BNDES se tornou mais transparente – passou a divulgar detalhes sobre seus empréstimos, não só os atuais, mas também os passados, englobando as operações feitas durante os governos do PT.
Essa transparência permite uma maior investigação e avaliação pela sociedade. Por outro lado, quando se fala em “caixa-preta”, a interpretação do termo pode se referir também à revelação de informações não oficiais, como gravações de conversas, delações de funcionários.
Nesse sentido, é impossível prever se existem ou não irregularidades a serem reveladas.
Em novembro, a BBC News Brasil procurou pessoas e órgãos que já haviam criticado a falta de transparência do BNDES no passado, para saber o que pensam sobre os dados que a instituição disponibiliza.
Um deles é o Tribunal de Contas da União (TCU), um órgão federal que fiscaliza as contas públicas. Segundo o TCU, essa situação mudou a partir de 2015. Hoje, o órgão diz receber do banco “todas as informações que lhe foram requisitadas”. Inclusive, TCU e BNDES firmaram, recentemente, uma parceria para divulgar mais dados do banco ao público.
Quem também já criticou a falta de transparência do BNDES é o economista Sérgio Lazzarini, do Insper, que analisa dados do banco há mais de uma década – com um viés crítico, diga-se de passagem, mostrando as mazelas das relações entre os setores público e privado.
Lazzarini concorda com o TCU e diz que o BNDES se tornou mais transparente a partir de 2015. “O BNDES está sendo muito sincero e transparente sobre o que está acontecendo no banco. Por incrível que pareça, o BNDES está hoje até mais avançado que outros bancos internacionais”, disse Lazzarini, que é PhD pela Universidade de Washington e foi professor visitante em Harvard, em 2010 e em 2012.
Um exemplo do que o BNDES divulga, e outros bancos públicos de desenvolvimento não costumam revelar, são os próprios contratos de financiamento relacionados a obras no exterior.
Assim, parte dos dados que os críticos pleiteiam já está disponível online. Por outro lado, há informações que permanecem em sigilo, como a análise de risco sobre os tomadores de empréstimo. O BNDES alega que esses dados são protegidos por sigilo fiscal e bancário e que sua divulgação traria consequências para o mercado de capitais – em outras palavras, ao ter sua classificação de risco divulgada, as empresas podem ter seus negócios impactados. A decisão sobre divulgar ou não esses dados está sendo analisada pela Justiça.
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