O que pode acontecer se Maduro prender Guaidó na Venezuela
A lógica da manobra de Guaidó
Maduro pode até obter outra vitória tática prendendo o oposicionista, mas continua estrategicamente frágil, dependente do apoio de uma Rússia mais e mais hesitante
Juan Guaidó, presidente interino da Venezuela, afirmou pretender voltar hoje ao país — Foto: Lucio Távora/AP
Fora do país desde 22 de fevereiro, Guaidó decidiu correr o risco de ser preso depois do fracasso da tentativa de entrar no país com o comboio de ajuda humanitária no dia 23 e de um giro pelo continente para angariar apoio.
A situação não é trivial. A ameaça de intervenção externa para garantir a deposição de Maduro, que ainda exerce o poder de fato, perdeu credibilidade depois de descartada pelos governos do Brasil e da Colômbia e de ser posta em segundo plano pelo governo americano.
Sem a possibilidade de ataque do front externo e sem uma adesão maciça de militares no interno (apesar de deserções, a maioria permanece leal a Maduro), Guaidó ficou sem alternativa imediata. Os próximos passos serão decisivos para definir o futuro da Venezuela.
A prisão de Guaidó teria um efeito ambivalente. De um lado, tiraria de cena o único líder que conseguiu unir com eficácia a oposição chavista. De outro, o transformaria em mártir da democracia e seria vista como provocação pelos mais de 50 países que o veem como presidente legítimo, e Maduro, como usurpador.
Os ganhos táticos que Maduro obteve ao rechaçar a entrada de ajuda humanitária ou que poderá lograr com a eventual prisão de Guaidó não obscurecem sua fraqueza estratégica. Quanto mais intensas são as atrocidades cometidas por seu regime, mais insustentável ele se torna.
O destino da Venezuela dependerá de várias incógnitas. A mais imediata é o alcance das manifestações populares convocadas por Guaidó para hoje, com o objetivo de apoiar seu retorno ao país. A oposição a Maduro tem demonstrado grande capacidade de mobilização. Qualquer tipo de enfrentamento ou tragédia resultante da tentativa de deter Guaidó será deletéria para Maduro.
Uma segunda, e mais importante, questão é a articulação dos Estados Unidos para garantir a substituição do regime venezuelano. O assessor para segurança nacional John Bolton obteve ontem do governo russo a concordância em participar das negociações.
Não é pouco. A Rússia é hoje o principal sustentáculo do regime de Maduro. Se aceitou negociar, é porque vê condições em que apoiaria uma troca de comando na Venezuela. Quais? Difícil saber. Mas o tabuleiro internacional dispõe de dezenas de peças – da Síria à Ucrânia – em que os americanos poderiam atender aos interesses russos em troca da transição venezuelana.
Enquanto isso, os americanos prosseguem impondo sanções individuais a militares venezuelanos, na tentativa de incentivar a deserção para o lado de Guaidó. Continua sobre a mesa a promessa de anistia àqueles que abandonarem o regime do ditador.
Uma terceira incógnita será o destino de Maduro e dos demais chavistas depois da transição. Do exílio em Cuba ou no México à participação em novas eleições livres, várias alternativas são possíveis.
O próprio Maduro deve, a esta altura, estar mais preocupado em salvar a própria pele. Ele pode ter contido as deserções militares, afastado momentaneamente a possibilidade de intervenção externa e demonstrado uma capacidade de resistência e sobrevivência comparável à dos tiranos mais cínicos, como Saddam Hussein, Muammar Khaddafi, Idi Amin Dada ou Robert Mugabe.
Mas sua situação é bem mais frágil que a dos déspotas da África ou do Oriente Médio. O fio a que está agarrado são os russos, hoje aparentemente mais preocupados em se livrar do imbroglio venezuelano com a menor perda possível do que em sustentar um ditador sanguinário numa região nada estratégica, só para incomodar os americanos. É um fio tênue, prestes a se romper a qualquer momento.
Helio Gurovitz
Por: G1