Bancos Estatais Patrocinam Evento De Juízes Em Resort
Levantamento realizado pela Folha sugere que eventos acadêmicos de magistrados podem disfarçar o turismo, encobrir lobbies e ser um negócio lucrativo para organizadores e patrocinadores.
HOTEL FLUTUANTE – Quando presidiu o Tribunal Superior Eleitoral, Toffoli promoveu conferência internacional num hotel flutuante de luxo no Amazonas. Por conta do erário, representantes de 12 países e 25 pessoas do TSE cruzaram o rio Negro, durante um final de semana.
Em 1998, Mario Garnero, do grupo Brasilinvest, foi anfitrião de uma caravana de magistrados à Argentina, como convidados do Jurisul (Instituto Interamericano de Estudos Jurídicos sobre o Mercosul), uma entidade pouco conhecida e criada pelo empresário.
Na época, Garnero tinha uma condenação em ação penal, anulada pelo STF no ano seguinte. “Você não vai perguntar se alguém eventualmente tem processo”, disse o então desembargador Ricardo Lewandowski, do TJ-SP, sócio fundador do Jurisul.
NÃO SABIA… – O ministro Edson Vidigal, relator de uma ação cível contra Garnero no Superior Tribunal de Justiça, viajou com a mulher. Vidigal disse que só soube quem promovia o encontro quando Garnero discursou.
A Universidade San Martín, de Buenos Aires, atestou que custeou os seminários, junto com advogados e o Jurisul. “Não consta que eu tenha algum processo naquele país”, Garnero afirmou, na época.
Outro exemplo: o Conselho Nacional de Praticagem (Conapra) realizou seminário sobre direito marítimo num hotel de luxo, em Búzios (RJ). Reuniu nove ministros do STJ e três do STF. Luiz Fux abriu o evento. Seu filho, o advogado Rodrigo Fux, defendeu os interesses da Conapra.
ENCONTROS DISCRETOS – Há cerca de 20 anos, o Memory Centro de Memória Jurídica, no Rio de Janeiro –antigo Memory Centro de Memória Empresarial– organiza discretos encontros de juízes, patrocinados por empresas, como a Souza Cruz.
O Memory informa em seu site que “recebe apoio cultural do governo, de entidades e empresas, sob a forma de cessão de palestrantes e inscrição de participantes, que dão o necessário suporte aos custos de realização dos projetos”.
E Gilmar Mendes? A parceria entre a FGV Projetos, uma unidade de assessoria da Fundação Getúlio Vargas e o IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público, do qual o ministro Gilmar Mendes é sócio, deu maior visibilidade a palestras de juristas e ministros no país e no exterior.
INCOMPATIBILIDADE – Há crises de identidade nessa atuação do ministro, além de ruídos e incompatibilidades no casamento entre a FGV e o IDP. Em 2017, Gilmar Mendes criticou pesquisa da FGV Direito sobre o baixo número de políticos acusados de crime. Disse que o estudo “Supremo em Números”, publicação da FGV, fez “uma notória e grotesca manipulação”.
Em 2008, Joaquim Falcão, professor da FGV Direito Rio, então membro do Conselho Nacional de Justiça, presidido por Gilmar Mendes, foi relator no caso de um juiz de Goiânia, sócio de um curso jurídico.
Em seu voto, Falcão sustentou que magistrados não podem ser sócios de cursos jurídicos e nem de qualquer outra atividade na qual possam usar seu prestígio para obter lucro. Determinou ao juiz o desligamento da sociedade.
MESMO ARGUMENTO – Dez anos depois, entrevistado no programa de Pedro Bial na TV Globo, Falcão usou o mesmo argumento em relação a Gilmar Mendes. “Na medida em que você usa a autoridade como ministro do Supremo para ganhar dinheiro, temos uma questão ética”, disse.
Gilmar Mendes não quis comentar a fala de Falcão. Segundo a revista Crusoé, a receita dos patrocínios de empresas e entidades aos eventos do IDP, em 2016, foi de R$ 4,3 milhões.
O próprio Joaquim Falcão e Sidnei Gonzalez, diretor de Mercado da FGV Projetos, foram sócios anos atrás num empreendimento. Estão rompidos por causa de uma disputa sobre a venda de um imóvel. Em 2016, o STJ decidiu a favor de Gonzalez. As partes ainda recorrem.