A história do britânico que sequestrou 6 aborígenes da tribo que matou John Chau
No fim do século 19, o oficial da marinha e explorador Maurice Vidal Portman queria estudar os habitantes da ilha Sentinela do Norte – mas sua investida deu completamente errado.
Portman guardou várias fotografias de seus encontros com as tribos aborígenes que conheceu enquanto vivia no Pacífico — Foto: WIKICOMMONS
Uma das mais surpreendentes é a do encontro entre os indígenas e o antropólogo indiano T.N. Pandit.
Pandit fez visitas esporádicas à ilha entre o fim da década de 1960 e o começo dos anos 1990. O conhecimento adquirido durante as viagens – e principalmente o fato de ter sobrevivido a elas – transformaram Pandit em uma espécie de celebridade depois da morte de Chau.
De toda forma, Pandit não foi o primeiro antropólogo a ficar cara a cara com a tribo – que, segundo especialistas, teria chegado à ilha vinda da África, há cerca de 50 mil anos.
Acredita-se que entre 50 e 150 aborígenes habitem a ilha — Foto: SURVIVAL INTERNATIONAL
No final do século 19, um jovem oficial da marinha britânica pisou na ilha, que hoje pertence à Índia. Ele estava acompanhado de um grupo que reunia desde autoridades a criminosos condenados e aborígenes de outras tribos do arquipélago de Andaman que tinham estabelecido relações com as forças coloniais da Inglaterra.
Maurice Vidal Portman encabeçava a missão à ilha Sentinela do Norte. Tinha por objetivo estudar a língua e os costumes da comunidade, que relutava em se comunicar com o mundo exterior.
A hostilidade dos sentinelas, que chamou atenção com a morte do jovem missionário e aventureiro norte-americano neste mês, já era conhecida naquela época.
Vários textos históricos trazem relatos de pessoas que chegaram à ilha acidentalmente (pescadores, comerciantes perdidos, náufragos) e foram depois encontrados boiando de bruços no mar, com o corpo crivado de flechas.
A “relutância” dos indígenas, porém, não era um obstáculo para Portman. Ele estava determinado a fazer o que fosse necessário para dialogar com eles.
Busca e sequestro
Segundo um texto publicado pela revista American Scholar no ano 2000 de autoria do professor Adam Goodheart, do Washington College (EUA), os exploradores liderados por Portman percorreram a ilha atrás dos nativos, mas não encontraram “nenhuma alma vivente”.
“Os sentinelas tinham simplesmente sumido na neblina quando se deram conta da chegada dos europeus”, diz um trecho.
Maravilhados com a fertilidade do solo e a vegetação da ilha, diz Goodheart, o grupo permaneceu na ilha por vários dias, até que finalmente localizaram o que buscavam.
Portman encontrou um casal de idosos e quatro crianças da tribo – e os sequestrou. Ele forçou os indígenas a embarcarem em seu navio e os levou até a cidade de Port Blair, capital das ilhas Andaman e Nicobar, onde ele morava. Seu objetivo era estudar os nativos em detalhes.
O sequestro, como era de se esperar, acabou em tragédia.
Desacostumados com o contato com humanos de fora da tribo – e com os micro-organismos carregados pelos estrangeiros – os idosos ficaram doentes e morreram em pouco tempo.
As quatro crianças foram levadas de volta à ilha, com presentes para o restante da tribo.
Ao escrever sobre o caso, Goodheart sublinha que, anos mais tarde, Portman reconheceu o fracasso de sua intervenção.
Segundo o historiador americano, Portman falou do caso durante uma palestra na Real Sociedade Geográfica, em Londres.
De onde vem a hostilidade?
Algumas pessoas podem se perguntar se o sequestro não estaria na origem da hostilidade da tribo em relação ao mundo exterior.
Na verdade, é impossível atribuir o comportamento dos sentinelas a um fato específico ocorrido há mais de um século. Além disso, os indígenas já hostilizavam estrangeiros antes mesmo do encontro com Portman.
Para a maioria dos especialistas e também para as autoridades indianas, é crucial respeitar o desejo dos sentinelas de viverem conforme desejem. As leis indianas inclusive proíbem a aproximação de forasteiros da ilha.
E os indígenas, por sua vez, reaforçam vez ou outra seu desejo de permanecerem isolados em uma linguagem que todos entendem: a das flechas.