Radiografia de uma caravana incontrolável
A fadiga é cada vez maior entre os milhares de centro-americanos que atravessam o México em direção aos EUA.
A caravana de imigrantes, a caminho de Tapachula. HECTOR GUERRERO.
Tudo estava escuro e silencioso. A caravana partiu logo na primeira hora do dia. À frente, uma ambulância e mais atrás, uma caminhonete do município fronteiriço de Suchiate os iluminava com um refletor e os escoltava por uma estrada estreita de duas pistas. Os carros e caminhões que corriam rumo à fronteira com a Guatemala desviavam deles pela única via que ficou livre. “Fique na faixa amarela, por favor! Nós não queremos acidentes! Não se adiantem! “, gritavam os organizadores.
A coluna de pessoas, que se estende até onde a vista alcança, é quase incontrolável. Esta caravana é muito maior do que a de março, contam os que participaram na época e vieram de novo agora. “Donald Trump deve estar furioso, quando se dá conta do que estamos fazendo”, brinca Guadalupe Pineda, 20 anos. Na Guatemala, a caravana era uma corrente esparramada de pequenos grupos que se aproximavam e se afastavam em diferentes pontos. Desta vez foi diferente. Neste domingo, ficaram juntos e se sentiram irrefreáveis. E por oito horas, apesar dos esforços da polícia, assim foram.
As famílias de Chiapas saem de suas casas e lhes oferecem biscoitos, café, frutas e água. E os aplaudem, os encorajam. Elas se vestem da mesma maneira que eles, entendem seu jeito de falar, quase todos têm a mesma cor de pele. São também, em um sentido estritamente geográfico, centro-americanos. Portanto, sorriem quando a caravana responde “México, México!”. Em gratidão. “Quando vejo isso, sinto orgulho de ser hondurenha”, diz Noemi Guevara.
As crianças e as mulheres vão à frente no começo para não acelerar demais o passo. “Devagar e boa letra, dizemos em Honduras, lentos, mas felizes, chele“, diz José Castellanos, 32, sorrindo. Mas o ritmo às vezes é esmagador. Parar um par de minutos significa atrasar dezenas, senão centenas de metros. Quando a capacidade física é levada ao limite, o corpo exige uma trégua. “Eu venho forçando demais, com dores, por isso está me custando”, confessa Mentis Martínez, 27, com um longo crucifixo balançando no peito e puxando uma mala de rodinhas. “Quanto falta?”, pergunta. “Estamos na metade”, dizem a ele um pouco atrás. “Bem, tudo bem, o intervalo em Tecún Umán me ajudou a reunir forças, vamos em frente”, responde.
“Vamos passar caminhando, é muito importante que vocês estejam juntos!”, gritavam os organizadores. Foi um dos vários encontros com os agentes mexicanos, que insistiram que não iriam prendê-los, ao mesmo tempo que os incentivavam a desistir de avançar sem regularizar sua situação imigratória. As autoridades haviam providenciado ônibus para levá-los a albergues. “Não subam nos ônibus!”, gritavam alguns membros da caravana, desconfiados. A tensão se dissipa, a caravana avança.
“Não e não, sim e sim, já voltamos a sair!”, rugia o contingente. Ressurgia a euforia de uma nova conquista. Como quando caiu o cerco da aduana na Guatemala. Como quando conseguiram atravessar o rio Suchiate em balsas feitas de pneus. Como quando cantaram o hino nacional do lado mexicano. Como quando lhes estenderam a mão com uma garrafa de água. No caminho, às vezes, a dimensão das coisas engana a percepção. Pequenos obstáculos parecem incontornáveis, mas o surpreendente se torna cotidiano.
“Com todas as coisas e os sacrifícios, para mim, a caravana é uma experiência agradável. Sabe por quê?”, pergunta sorrindo Castillo, que foi deportada há três meses em Arriaga, 275 quilômetros ao norte da fronteira entre o México e a Guatemala, e há uma semana tenta outra vez chegar aos Estados Unidos. “Porque eu posso ser solidária com minha gente, que é o que mais gosto”, diz a imigrante de San Pedro Sula, antes de se proteger da chuva, que cai com força em Tapachula, debaixo de um pequeno pedaço de lona. Amanhã eles saem novamente.
Vocês agora verão um vídeo que mostra a caravana em movimento, porém os números, divergem dos citados nessa matéria: