O ex-governador Anthony Garotinho (PRP) teve uma importante derrota nesta semana contra os juízes Ralph Manhães e Glaucenir Oliveira, que atuaram nos processos decorrentes das operações Chequinho e Caixa d’Água, onde o político é réu e já foi condenado, na primeira ação, à prisão por comandar o “escandaloso esquema” de troca de votos por Cheque Cidadão na última eleição. Desde o início das duas investigações, Garotinho vem adotando a estratégia de disparar sua metralhadora de acusações contra autoridades. O político da Lapa espalhou repetidamente que vem sendo perseguido por uma “aliança midiática, política e judicial” com membros do Judiciário, do Ministério Pública e da imprensa que seriam capitaneados pelo ex-governador Sérgio Cabral (MDB), seu ex-aliado e desafeto. O campista também distribuiu diversos recursos para tentar afastar os dois juízes em várias instâncias, mas todos foram negados. Uma das petições mais alardeadas por Garotinho nos últimos tempos foi o pedido de providências formulado por ele no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra Ralph e Glaucenir por causa do caso do áudio atribuído a Oliveira, onde o juiz faria referência a uma suposta propina do ex-governador ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. No entanto, o CNJ decidiu pelo arquivamento da denúncia por falta de provas.
No final do ano passado, Gilmar Mendes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), concedeu um habeas corpus em pleno recesso judiciário para soltar todos os presos da operação Caixa d’Água, entre eles, Anthony Garotinho. No dia 23 de dezembro, um áudio atribuído a Glaucenir, que emitiu os mandados de prisão, vazou na internet, onde ele insinua que Gilmar recebeu propina para a decisão. “De comentário ouvidos aqui em Campos hoje, de pessoas inclusive do grupo do Bolinha (Garotinho). E o que se fala aqui em Campos, eu tenho acesso de pessoas que sabem e entendem porque estão no meio, tá? (…) Mas o que se cita aqui dentro do próprio grupo dele é que a quantia foi alta. Vocês entendem o que estou falando. O colega, inclusive, trocou uma ideia comigo agora e está pensando em se declarar suspeito nos autos porque não quer dar cara a tapa. Não quer fazer trabalho de palhaço. Eu também não quero mais”, teria dito o magistrado em referência a Ralph Manhães, que herdou os processos da Caixa d’Água e é o atual responsável pela condução da ação penal.
Anexo à decisão da corregedoria, está a defesa apresentada pelos dois juízes, onde Ralph Manhães destaca, entre outras coisas, que a estratégia de tentar “constranger” as autoridades do processo tem sido uma constante em todas ações onde Garotinho é réu e negou qualquer parcialidade ou ligação com o episódio do áudio. Já Glaucenir Oliveira falou que “se alguma crítica fez, foi ao sistema judicial, na qualidade de cidadão, em grupo fechado de WhatsApp, e não no exercício da função judicante, sob o amparo das garantias de liberdade de expressão”.
No final da decisão, o corregedor-geral de Justiça, ministro João Otávio de Noronha lembrou dos diversos recursos impetrados pela defesa de Anthony Garotinho contra os juízes. “Ressalto que a argumentação desenvolvida neste expediente já foi deduzida e apreciada em outros feitos. Tal conduta é de todo inócua, já que movimenta a máquina pública com procedimentos inúteis e fadados ao arquivamento, pois são mera repetição de outros. Ademais, é obrigação da parte e de seus advogados agir com absoluta lealdade e boa-fé, em qualquer processo”.
Na sua sustentação para arquivar o procedimento, João Otávio Noronha argumenta que “com relação ao áudio que teria sido divulgado pelo requerido Glaucenir, o requerente (Garotinho) faz apenas alegações genéricas a fim de demonstrar que haveria um ‘grupo’ de operadores do direito atuando em seu desfavor. No entanto, o requerente não descreve, de forma clara e objetiva, conduta individual e particular do juiz Ralph Manhães que mereça ser apurada pela Corregedoria Nacional de Justiça. Repito que o conteúdo e as implicações da gravação e divulgação do referido áudio já são objeto de questionamento de outros feitos e serão oportunamente analisados”.
“Ataques são falsos e pessoais”
Junto ao pedido de providências arquivado pelo Conselho Nacional de Justiça, consta as defesas apresentadas pelos juízes Ralph Manhães e Glaucenir Oliveira contra a representação de Anthony Garotinho.
Na defesa de Manhães, o corregedor-geral destaca que o juiz argumentou que “o requerente (Garotinho) lhe tem feito ataques falsos e pessoais nas mídias e redes sociais, numa tentativa de desequilibrá-lo emocionalmente, ‘para que incorra em algum erro, de forma a provocar um ato parcial’, ‘inclusive fazendo insinuações de que haveria um complô comandado por um ex-governador, envolvendo diversos membros do Judiciário, […] além de outras instituições’, do qual ele como magistrado faria parte”.
Ralph também ressalta que Garotinho “age dessa forma contra todos aqueles que atuam em processos em que a ele são imputados fatos negativamente, para […] se vitimizar e criar embaraços àqueles que conduzem a investigação e os processos (e que) a conduta do requerente não difere em relação aos juízes que decidiram desfavoravelmente a seu pleito”.
Sobre o episódio do áudio, Ralph Manhães argumentou que “não gravou, não postou nem autorizou a divulgação de nenhum áudio; não pertence ao grupo em que o referido áudio foi postado originariamente nem teve conhecimento prévio de seu teor; não houve a conversa nos moldes relatados, tanto que o habeas corpus concedido pelo então presidente do TSE beneficiou apenas a ex-governadora do Rio de Janeiro e esposa do requerente (Rosinha Garotinho), e não todos os réus, como mencionado no áudio em questão; jamais pensou em se declarar suspeito no processo (…), até porque não há motivo para tal manifestação; tomou conhecimento do áudio apenas por meio da mídia e jamais ouviu falar que autoridade alguma de instância superior tivesse adotado conduta ilegal”.
Já Glaucenir apresentou defesa alegando que existe expediente em outros órgãos para investigar o episódio do áudio e que fez um pedido formal de perdão que encaminhou ao ministro Gilmar Mendes. Oliveira também relatou que “(Garotinho) se utiliza desses expedientes […] como forma de perseguição e constrangimento […] em razão de suas decisões de natureza jurisdicional nos autos dos processos criminais; não cabimento de sua penalização na esfera administrativa, pois, se alguma crítica fez, foi ao sistema judicial, na qualidade de cidadão, em grupo fechado de WhatsApp, e não no exercício da função judicante, sob o amparo das garantias de liberdade de expressão”.
Político da Lapa três vezes preso
Envolvido em várias polêmicas, o ex-governador Anthony Garotinho tem convivido com fantasmas de investigações, delações e processos que vem tirando o sono do ex-secretário de Governo de Campos. Desde novembro de 2016, Garotinho foi preso três vezes. Duas em decorrência da operação Chequinho, onde é acusado de comandar o “escandaloso esquema” de troca de votos por Cheque Cidadão na última eleição municipal, e uma no âmbito da operação Caixa d’Água, na qual ele, Rosinha e mais seis réus são apontados como integrantes de uma organização criminosa que intimidava e extorquia empresários, com o objetivo de obter recursos de empresas contratadas pela Prefeitura de Campos durante a gestão Rosinha.
A primeira prisão, determinada por Glaucenir Oliveira, aconteceu no dia 16 de novembro de 2016. O político da Lapa chegou a passar uma noite no Complexo Penitenciário de Bangu. Entre idas e vindas de pelo menos três hospitais diferentes, o momento ficou marcado pela cena de Garotinho se rebatendo em uma maca, resistindo a transferência para Bangu, que aconteceu no dia 17 de novembro de 2016. Pouco tempo depois, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) converteu a reclusão em medidas restritivas.
A condenação em primeira instância na Chequinho a 9 anos e 11 meses de prisão saiu no dia 13 de novembro do ano passado. Na decisão, o juiz Ralph Manhães determinou a prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica do político na famosa “casinha da Lapa”, em Campos. Pouco tempo depois, o TSE revogou as medidas.
A terceira e última prisão de Garotinho aconteceu em 22 de novembro de 2017. Glaucenir Oliveira determinou que ele, a esposa, Rosinha, e outros seis réus fossem encarcerados no âmbito da operação Caixa d’Água. Durante o período em que esteve na Cadeia de Benfica, o ex-governador relatou que foi agredido por um homem misterioso, mesmo sozinho na cela. Ele foi transferido para Bangu e, quase um mês depois de ser preso, foi beneficiado com o habeas corpus de Gilmar Mendes.