Prisão histórica: serial killer de animais foragida é finalmente presa

Uma grande conquista conseguida depois de uma dura maratona em busca de provas.

Por Fátima ChuEcco, ANDA

Dalva Lina foi condenada a 17 anos de prisão | Divulgação

Condenada a 17 anos, 6 meses e 26 dias de reclusão em regime semiaberto pela morte de 37 cães e gatos em 2012, e foragida desde o ano passado, Dalva Lina da Silva, de 48 anos, que ficou conhecida como “a matadora de animais”, foi finalmente presa. Uma pessoa a reconheceu dentro de uma agência do Banco do Brasil e chamou a Polícia Militar que a levou para o 16º DP na Vila Clementina, em SP, sendo posteriormente transferida para a carceragem feminina do 89º DP, no Portal do Morumbi, na zona Sul da cidade, onde deve aguardar a decisão sobre onde cumprirá a pena.

O “Caso Dalva” é inédito. É a maior sentença já proferida envolvendo crime de maus-tratos a animais. Uma grande conquista conseguida depois de uma dura maratona em busca de provas. “Essa decisão é uma grande vitória e a maior do mundo. Em 2016 uma pessoa foi condenada a 15 anos nos Estados Unidos por maus-tratos contra animais. Com a sentença da Dalva reformada, creio que essa condenação é a maior pena que se tem notícia no mundo”, disse a promotora Vania Tuglio, do Grupo Especial de Combate aos Crimes Ambientais (Gecap).

Apesar de ter sido condenada pelo assassinato 37 de cães e gatos, milhares de animais de animais recolhidos das ruas ou entregues à Dalva simplesmente tiveram suas vidas arrancadas com muito sofrimento, dor e violência ao longo de 10 anos, numa casa no bairro da Vila Mariana, em SP, onde ela morava. Dentre eles, muitos filhotes ou colônias inteiras de gatos retirados de estabelecimentos públicos, já castrados e vacinados, entregues por protetores que acreditavam que Dalva também fosse uma defensora de animais. Não era. E pior: era uma assassina em série que utilizava um método doloroso para matar os animais num obscuro quartinho em sua própria casa que tinha manchas de sangue nas paredes.

Calcula-se que a serial killer pode ser responsável pela morte de milhares de animais | Divulgação

O que acontecia no quarto da morte

De acordo com Paulo Cesar Mayorca, professor do departamento de patologia da USP e perito que necropsiou os corpos dos 37 animais, eles foram assassinados de uma maneira extremamente cruel, o que provocou grande sofrimento e extrema dor por até 30 minutos. Dalva injetava uma droga no peito dos animais por meio de várias agulhadas numa tentativa insana de atingir o coração deles.

Caso não tenha tido algum ajudante, para matar os animais daquela forma sozinha, Dalva tinha que amarrá-los em provável posição de crucificação, com pernas juntas e braços abertos.Todos foram encontrados com várias perfurações no peito e morreram, por conta disso, de hemorragia interna. Uma cachorrinha entregue nas mãos de Dalva poucas horas antes de ser morta (foto) foi o caso mais chocante: tinha 18 perfurações.

Mayorca constatou também que nenhum dos animais apresentava doença terminal ou lesão que comprometesse a saúde deles. O laudo cadavérico, portanto, desmentiu a alegação de Dalva que dizia ter matado apenas seis dos 37 animais por estarem em “estado terminal e sofrendo”.

Condenada desde 2015

Em 2015, Dalva já havia sido sentenciada a 12 anos, 6 meses e 14 dias de prisão pela morte dos animais. Na sentença a juíza Patrícia Álvarez Cruz afirma que a ré recebia os animais em sua casa já determinada a matá-los porque sabia que não teria condições de encaminhá-los à doação. “A ré tem todas as características de uma assassina em série, com uma diferença: as suas vítimas são animais domésticos. De resto, os crimes foram praticados seguindo o mesmo ritual, com uma determinada assinatura, com traços peculiares e comuns entre si, contra diversos animais com qualidades semelhantes e em ocasiões distintas. E o que é bastante revelador: não há motivo objetivo para os crimes. O assassino em série, como o próprio nome diz, é um matador habitual”, afirmou na época.

No entanto, Dalva não foi presa porque uma desembargadora entendeu que não havia motivo para a ré ser mantida em reclusão. Em 2017 o Ministério Público Estadual recorreu da decisão solicitando a progressão da pena e obteve decisão favorável da 10ª Câmara Criminal de Justiça de São Paulo. Dalva foi processada pelo crime previsto no artigo 32, parágrafo 2º, da Lei Federal de Crimes Ambientais – 9605/98, por maus-tratos seguidos de morte dos animais e também por uso de substância proibida (no caso quetamina que tem utilização permitida apenas para veterinários) – crime previsto no artigo 56 da mesma lei.

Dalva disse que adquiria a droga de um veterinário amigo da família que já morreu. Também alegou que todas as centenas de animais que recebeu ao longo de mais de dez anos foram doados, mas que não se lembra para quem doou.

Mortes chocaram protetores e policiais | Divulgação

Como Dalva foi descoberta

A ONG Adote um Gatinho, depois de receber inúmeras denúncias, resolveu contratar um detetive. Numa noite em que Dalva colocava inúmeros sacos pretos na calçada, próximo da hora do caminhão de lixo passar, o detetive desconfiou que podia ser descarte dos corpos e acionou a polícia. Ao abrir os sacos lá estavam 37 animais mortos, a maioria já castrada e vacinada e, inclusive, um cachorrinho de lacinho vermelho entregue na casa da assassina na mesma noite e fotografado pelo detetive. Os seis gatos encontrados vivos na casa de Dalva na noite do flagrante foram entregues à Adote um Gatinho que teve autorização judicial para doá-los.

Na ocasião Dalva, que já era viúva, morava com suas filhas de 5 e 18 anos de idade. A adolescente não foi acusada e nem respondeu processo. Após repercussão na mídia, a casa de Dalva foi alvo de várias manifestações por parte de protetores de animais e ela acabou se mudando de lá. Chegou a morar num sítio no Paraná onde reportagem da TV Record a flagrou com vários animais novamente. Ela falou com o repórter pelo portão da casa e disse que “amava os animais”. Recentemente ela estava morando em SP novamente.

Depoimento de protetoras

O comportamento de Dalva causava estranheza entre alguns moradores da rua. Segundo relato de uma vizinha, que preferiu não se identificar, ela descartava entre 6 e 7 sacos de 100 litros, três vezes por semana (às terças, quintas e sábados), exatamente na hora em que o caminhão de lixo passava. “Era muito lixo para uma casa só”, disse ela.

“Uma casa com três pessoas adultas e uma criança descartar cerca de 2 mil litros de lixo por semana é algo inconcebível. Isto só comprova a prática cruel que ela vinha exercendo todos esses anos”, afirmou na época a ativista Marli Delucca, já falecida, mas que se empenhou muito no caso.

“Sabendo que ela recebia centenas de gatos e cães por mês e com base nessas informações, estimamos que cerca de 30 mil animais possam ter sido mortos pelas mãos de Dalva nos últimos oito anos”, contabiliza Marli Delucca. “A Dalva recebia animais para encaminhar para adoção há cerca de 8, 10 anos. É só fazer as contas”, reforça a protetora Raquel Rignani.

Ativistas e protetores realizaram protestos no portão da casa da criminosa | Divulgação

Doações irresponsáveis facilitaram o trabalho da serial killer

Fica aqui um alerta para quem “doa” animais. É preciso acompanhar as adoções. Ter endereço e telefone dessas pessoas, pedir fotos recentes e até fazer visitas esporádicas. De que adianta resgatar, gastar com medicamentos, veterinários, cirurgias, castrações e, por fim, jogar o animal nas mãos de uma assassina? Dalva conseguiu matar muitos animais graças a irresponsabilidade de muitas pessoas que apenas descartaram os animais nas mãos dela e nunca mais quiseram saber dos bichos. Embora ela própria pegasse animais nas ruas, também recebeu centenas de animais, principalmente gatos, cujo paradeiro ela nunca soube informar.

*Fátima ChuEcco é jornalista ambientalista e atuante na causa animal

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