Com cartazes, instrumentos musicais e danças africanas, alunos e professores do campus Centro do Instituto Federal Fluminense (IFF) e de diversos campi de institutos federais do Maranhão usaram de uma manifestação da cultura afro-brasileira para se reunirem em um ato contra o racismo na manhã desta quinta-feira (9), na instituição de ensino campista.
Foto: Paula Vigneron
O ato aconteceu após estudantes maranhenses terem sido vítimas de preconceito racial durante a realização do III Encontro Nacional de Núcleos de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas e grupos correlatos da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológicas, que acontece em Campos. O ato acontece após a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) conceder ordem de habeas corpus favorável ao professor do IFF Maurício Nunes Lamônica, que responde ação penal por de ato de racismo.A comitiva do Maranhão chegou à sede do IFF Centro na última segunda-feira (6) para apresentação de trabalhos no evento. A impressão inicial do grupo foi de encantamento com a estrutura do instituto. Mas, no dia seguinte, começaram os problemas. No ônibus em que chegaram os maranhenses, foram riscadas provocações aos estudantes e professores do Nordeste. “Aqui tem água” e “#melava” foram algumas das frases escritas no veículo.
Desde então, os atos ficaram mais graves. Nessa quarta-feira (8), no campus Guarus do IFF, os alunos foram chamados de macumbeiros após a apresentação de um trabalho. Também na quarta, estudantes do campus Centro fizeram gestos simulando o comportamento dos macacos, para ridicularizar os colegas nordestinos. E, à noite, o grupo foi informado de que não havia mais comida disponível para eles.
— Falaram que não tinham mais o alimento. E, quando um foi um pouco mais tarde, o alimento foi encontrado. Isso foi o que mais nos revoltou. Nós fizemos uma discussão ali, mostramos que estávamos indignados porque não dava mais para ficar calado. Uma coisa é você cometer uma vez e se conscientizar, outra coisa é você continuar com aquele ato. Estamos aqui como profissionais. Somos estudantes, pesquisadores. O que queríamos era ser bem recebidos, mas não foi o que aconteceu — relatou o maranhense Fabrício Joseph Dias Costa, de 15 anos.
Foto: Antônio Leudo
De acordo com o adolescente, que cursa o ensino médio, o grupo veio para Campos com o objetivo de apresentar um projeto que visa “quebrar todos os estereótipos lançados pela sociedade”:
— E, quando chegamos, fomos alvo de xenofobia, que é um mal terrível. Mas não parou por aí. Fomos vítimas de racismo, preconceito, homofobia. O que nós queríamos? Queríamos trazer a proposta de dizer a todos os estados em que estamos passando para deixarem de praticar esses atos. Jovens ficaram tristes ao receberem essas críticas. Nós passamos mais de três meses elaborando o projeto, para sermos recebidos dessa forma. Já nos manifestamos, como ato de revolta. Sabemos os nossos direitos. Viemos para cá para tentar valorizar nossa sociedade e somos alvo de algo que não tem explicação, de algo que é desprezível. Nós somos negros, mas não temos vergonha de quem somos. Reconhecemos nosso valor. Vários jovens queriam ir embora antes de terminar o projeto porque se sentiram humilhados – acrescentou o estudante.
As atitudes dos estudantes do campus Centro, no entanto, não representam todo o corpo discente da unidade de ensino. Atriz, professora e aluna do curso de licenciatura em Teatro, Adriana Medeiros disse estar envergonhada e pediu, aos maranhenses, desculpas em nome do município:
— Às vezes, a gente acha que essa história ficou lá atrás. E o que estamos vendo, na verdade, é um retrocesso muito grande. Quando eu cheguei ao IFF, ontem, não sabia. Eu fui ver o que tinha acontecido e presenciei algumas coisas. Eles estavam muito comovidos e destruídos psicologicamente. Os maranhenses são brilhantes. São pessoas esclarecidas politicamente. A humilhação que essas crianças passaram no campus, humilhação causada por outros alunos, eu, sinceramente, não consigo entender. Minha sensação é de que fui humilhada também, porque sou negra, mulher, artista e candomblecista. Ser chamado de macumbeiro é simplesmente o outro não ter a menor noção do que está falando. Macumba é um instrumento. Nós somos candomblecistas ou umbandistas. Essa é nossa fé. Tocam no nosso sagrado como se fosse uma coisa abominável. Estou cansada. Estou com eles no ato de resistência, tentando entender o tamanho da boçalidade dessa elite medíocre, que, se fosse elite de fato, não teria esse tipo de arrogância.
Após o ocorrido, o IFF divulgou nota repudiando os atos discriminatórios praticados contra estudantes e educadores do Instituto Federal do Maranhão.
“Tais atitudes não representam a comunidade de estudantes e servidores do IFFluminense. Não admitimos o desrespeito e a não-valorização da riqueza da diversidade dentro da instituição, e atitudes como as ocorridas maculam a reputação e a história de uma terra sofrida como Campos dos Goytacazes, marcada pela escravidão, pela pobreza, pela injustiça, mas também marcada por histórias de lutas e de brava gente.
Somos expressamente contra qualquer ato de violência. E reafirmamos que o IFFluminense é um espaço de transformação de vidas, uma instituição de oportunidades e onde todos são bem-vindos. O que aconteceu se coloca como um grande desafio para todos nós, de levar consciência e educação para nossos estudantes e servidores, mostrando que temos muito a caminhar enquanto sociedade”.
Em vídeo divulgado no Facebook, o reitor do IFF-Campos, Jefferson Manhães, também se pronunciou sobre o incidente. Confira: