Risco à população e à suficiência do setor de transporte, as lotadas atuam livremente em Campos há anos e agora, quando são alvos de operações, os motoristas fazem protestos fechando ruas, tumultuando o trânsito e danificando patrimônios públicos e privados, e no final, quem sai perdendo é a população. O problema não é exclusivo de Campos. Em outros municípios, entretanto, a medida para coibir o transporte ilegal foi associar operações estratégicas e a força da lei. Nessas cidades, em oposição ao que manifestantes picharam na traseira de um ônibus semana passada, o transporte clandestino de passageiros é tratado como crime.
Em Campos, onde os órgãos fiscalizadores, quando faziam operações, se restringiam a coibir problemas com a documentação das lotadas e vans, com o novo Código Tributário, em vigor desde 29 de setembro, a fiscalização passou a ser feita sobre a própria atividade do transporte irregular. Na seção referente às taxas de fiscalização de transporte de passageiros do código ficou definido que “a exploração de transporte de passageiros sem prévia autorização, permissão ou concessão (…) sujeitará o infrator à apreensão de veículos e multa de 300% sobre o valor atualizado da taxa devida pelo período efetivo ou estimado de funcionamento por cada veículo irregular, além dos acréscimos moratórios exigíveis”.
A aplicação da nova norma gerou reação dos motoristas de lotadas, que, a cada operação de combate à irregularidade, fecham ruas e param a cidade. A medida, no entanto, não inibiu o transporte irregular, que ainda está presente em massa nas ruas da cidade.
Para fechar o cerco ao transporte pirata, outros municípios e estados brasileiros desenvolveram ações estratégicas associadas à aplicação mais dura da legislação e fundamentadas em entendimento da Justiça Federal e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) de que a prática configura crime, além de se enquadrar no artigo 47 da Lei das Contravenções Penais, por exercício de profissão ou atividade econômica sem preencher as condições a que por lei está subordinado o seu exercício, com pena de prisão de até três meses.
No Distrito Federal, a pedido da secretaria de Mobilidade, a Polícia Civil passou a enquadrar como crime passível de um a cinco anos de prisão e multa quem faz transporte pirata. Assim, motoristas flagrados fazendo transporte irregular de passageiros passaram a ser indiciados pelo artigo 265 do Código Penal — atentado contra serviço de utilidade pública. Por lá, até o passageiro pode ser obrigado a prestar depoimento na delegacia.
Em Goiás, o artigo 328 do Código Penal foi aplicado em casos que levaram à prisão em flagrante de motoristas de veículos piratas. A norma trata da “usurpação de função pública” e prevê pena de detenção de até dois anos e multa. Neste caso, a justificativa da Justiça é de que o crime se caracteriza porque o transportador não possui autorização do poder concedente para executar o transporte remunerado de passageiro.
Em Salvador e outros municípios da Bahia, uma parceria com o Ministério Público possibilitou a criação de uma força-tarefa para enfrentamento ao transporte clandestino de passageiros, inclusive, com o enquadramento da prática nos crimes de estelionato, formação de quadrilha e contra a relação de consumo (previsto na Lei 8.137/90).
No estado de Minas Gerais, a Lei Nº 1.9445/2011 foi criada justamente para combater essa prática. Ela estabelece normas para coibir o transporte clandestino de passageiros no estado e prevê multa, apreensão do veículo e instauração de processo administrativo.
Posicionamento — O presidente do IMTT, Renato Siqueira, informou que há operações diárias para fiscalizar o transporte na cidade de Campos. Ele explica que as operações se intensificaram no início desta semana, onde passaram a acontecer em dois turnos e, também, no fim de semana. Segundo Renato, a principal estratégia é insistir para que a população faça a sua parte e não pegue este tipo de veículo para transporte, pois é ilegal, atividade criminosa, a qual quem estiver envolvido poderá responder.
Protestos de topiqueiros param a cidade
Somente em 2017, os motoristas de lotadas pararam a cidade seis vezes com protestos. No dia 19 de janeiro, fecharam a avenida José Alves de Azevedo, próximo ao Mercado Municipal, e o trânsito ficou totalmente parado.
Em fevereiro, motoristas de transporte clandestino fecharam completamente por duas horas a avenida XV de Novembro. A ação teve início após a apreensão de três veículos durante uma fiscalização do Departamento de Transportes Rodoviários do Rio de Janeiro (Detro-RJ).
Em julho, motoristas de lotadas interditaram as avenidas XV de Novembro, José Alves de Azevedo, na descida da ponte Leonel Brizola, onde colocaram fogo na pista, e 28 de Março, tumultuando o trânsito na cidade. Ainda no mês de julho, motoristas do transporte irregular de passageiros fecharam a subida da ponte Alair Ferreira, em Guarus, em mais um protesto contra a fiscalização no município. Cerca de 100 manifestantes atearam fogo em pneus e galhos.
Em agosto, em represália às fiscalizações do IMTT, Guarda Municipal e Polícia Militar, motoristas de lotadas realizaram outro protesto e pararam o trânsito em Campos durante três horas. Os manifestantes fecharam quatro pontos importantes do município: avenida José Alves de Azevedo (Beira-Valão), rua Tenente Coronel Cardoso (Formosa), rua Gil de Góis e Alberto Torres.
No dia 31 de outubro, mais uma vez a população campista ficou prejudicada por conta de protestos feitos por motoristas de transporte irregular, que bloquearam duas das principais vias de Campos, as avenidas XV de Novembro e José Alves de Azevedo (Beira-Valão). Além das pistas bloqueadas, um ônibus foi pichado com a frase “lotada não é crime”.
Prejuízo financeiro e à segurança viária
O transporte clandestino coloca em risco os passageiros devido ao estado precário dos veículos e à falta de compromisso dos infratores com questões regulamentadas, como inspeção veicular prévia, antecedência criminal dos motoristas, equipamentos obrigatórios e, principalmente, a não observância aos direitos dos usuários. Há, inclusive, casos de ameaças desses motoristas a fiscais e a funcionários das empresas regulares, além de profissionais da imprensa.
A prática afeta, ainda, a segurança viária, bem como oferece prejuízos financeiros ao Estado e aos prestadores regulares do sistema de transporte público. Empresas de transporte de passageiros regulamentadas apontam o transporte clandestino como a principal causa da crise no setor, e em Campos não é diferente.
O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Campos (Setranspas), Gilson Menezes, falou sobre a urgência em controlar a atuação das lotadas, que são extremamente prejudiciais ao serviço de transporte regular, principalmente depois do fim da passagem social, que manteve nos ônibus a maioria absoluta de estudantes da rede pública, idosos e deficientes físicos, que não pagam passagem.
— O combate ao transporte clandestino precisa ser cada vez mais intensificado. Esse combate é extremamente necessário para a sobrevivência do transporte regular, porque as lotadas trafegam transportando o passageiro pagante, enquanto a gratuidade fica para os ônibus. Para sobreviverem, as empresas de ônibus precisam do usuário pagante, porque elas já absorvem todas as gratuidades. As empresas não estão suportando e não vão suportar. A gente tem se reunido com o poder público e passado isso muito claramente. É preciso que o município intensifique cada vez mais o combate, para o transporte regular sobreviver — afirmou Gilson.